quarta-feira, 1 de julho de 2009

O furriel Velez e o soldado comando da Baixa do Mungage...

Furriéis Velez, Miguel, Pires (de Bragança) e Cruz (sentados, do lado esquerdo)
e Graciano, NN, Viegas, Neto, Machado e Rocha, na messe de sargentos do
Quitexe, a 30 de Outubro de 1974


Falei ontem à noite com o Velez! E quem é o Velez, perguntam vocês. É um dos cavaleiros de norte, de Zalala - terra de base da 1ª. CCAV do BCAV 8423.
Uma noite, tivemos de "zarpar" do Quitexe para a (para mim!) misteriosa picada de Zalala, onde - lá por um qualquer sítio... - nos esperava uma Companhia de Comandos com um ferido de uma operação na Baixa do Mungage.
F
omos acordados de sopetão, eram para aí umas três horas da madrugada de uma noite de breu cerrado, e havia que ataviar-nos rapidamente, formar o pelotão sem perturbar o sossego das casernas, preparar-nos para a saída, chamar os homens das transmissões e enfermagem, o mecânico, os condutores, tudo em silêncio. A saída já sabíamos ter razões de sangue: havia um soldado ferido, um irmão nosso que pisara uma mina, num qualquer trilho da mata de medos que nos rodeava, lá de longe! E apareceu o Velez, na parada do aquartelamento, armado até aos dentes, de G3 traçada no peito, cartucheiras e granadas defensivas seguras no cinturão, lenço verde a enrolar-lhe o pescoço, óculos escuros, verdes..., olhos grandes, a medir a noite! Assim, a juntar-se a nós: a mim e ao Neto, ao alferes Garcia, ao PELREC.
«Onde é que vais, pá?!...».
O Velez, sendo ou não, era para nós um fidalgo de pose feita, semeado de cultura e saberes que escapavam a nós, rapazes de província. Tinha um jeito de dizer que, parecendo senhorial, era simultaneamente igual e cúmplice dos nossos iguais sentires. Tínhamos conversas de horas e diferenças de quilómetros, de culturas e de experiências. Até o gargalhar dele nos parecia mais nobre, sendo tão ou mais estridente que o nosso. Respirava-se franqueza no nosso relacionamento. E o Velez, o furriel miliciano atirador de cavalaria, ali estava connosco, por ordem de quem mandava, para irmos galgar a madrugada de cacimbo e breu, nos "burros de mato", a caminho das picadas para Zalala, até aos trilhos da Baixa do Mungage.
"Onde é que vais, pá?...".
O Velez deu meia volta, sem uma palavra, e vi-o a aconchegar o lenço no peito, como quem faz uma almofada contra o camuflado e parecendo ainda meio acordado de sonhos de outras galáxias, ali permanecendo calado, mordendo os lábios, talvez pensando...
"Vai connosco!.."
, disse o alferes Garcia.
O Velez, da 1ª. CCAV, a companhia de Zalala, conhecia bem a picada, das muitas viagens de lá e para o Quitexe. Não lhe tinham segredos as curvas e declives de que se adivinhavam medos e os sons que se evaporavam no ar quente da terra angolana e que respirávamos quantas vezes carregado de pó! Por isso, quem mandava o mandou acordar e preparar-se com o equipamento de combate.
"Vamos"...", disse o alferes Garcia.
Fomos e viemos, indo depois para o Hospital do Negage o nosso irmão "comando" que pisara a mina do trilho.
Nessa tarde, eu, o Velez, o Neto e outros, retomámos as conversas de sempre, sobre os quês dessa altura, espreguiçando-nos nas cadeiras de fitas da entrada do bar/messe de sargentos, entre o saborear de alguma eka, alguma cuca, ou uma nocal, sei lá eu, já..., e o desfiar de saudades do "puto", da família, dos amigos.
Ontem à noite, retomámos essa conversa, entre lembranças das horas amargas do Maio e Junho de 1975, em Carmona, e a evocação das que ele e a 1ª. CCAV viveram pelo Songo, a esse tempo!
Ontem, reatámos um conversa interrompida 34 anos e que vamos continuar um destes dias! Quem sabe, lá para Setembro e ao vivo!
- VELEZ. Vitor Manuel da Conceição Gregório Velez, furriel miliciano atirador de cavalaria, da 1ª. CCAV do BCAV 8423, de Lisboa.
- MIGUEL. Miguel Peres dos Santos, furriel paraquedista, então temporariamente no Quitexe. De Torres Novas.
- BURRO DE MATO. Designação vulgarmente dada aos unimogs, veículos de transporte de pessoal militar.
- PUTO. Petit nom dado a Portugal (continental), pelos militares.

2 comentários:

SANTOS disse...

Diziam que Zalala era um buraco do caraças...

QUITEXE disse...

Goste de ler, caro Viegas, você tem uma excelente capacidade narrativa, posso perguntar-lhe qual é a sua actividade?