terça-feira, 30 de junho de 2009

A (falsa) emboscada na picada de Zalala...


Texto
FRANCISCO JOÃO
Furriel Miliciano no Quitexe, em 1967
Faro (Algarve)


Os dois carros iniciaram a marcha para o Zalala, ia o sol morrendo atrás dos picos da Serra Vamba. Eles próprios tomaram a mesma direcção, como que para aproveitarem mais umas réstias desse sol que se lhes escapava velozmente, para continuar o seu destino - aquecer e iluminar outros povos e regressar, indefinidamente.
Eu seguia na segunda viatura, entre os veteranos da picada. Homens para quem a mata não tinha segredos, quanto mais a que eles consideravam já a sua «auto-estrada».
A picada serpenteava, subia e descia como um carrossel entre montes vales e matas, onde populações pacíficas estavam instaladas em laboriosas fazendas, sanzalas e roças e onde, igualmente, se acoitam os “turras”, protegendo-se na densidade da floresta, por vezes virgem para o homem branco.
A poeira levantava-se à passagem dos Unimogs. Subia, subia pelos ares, ao mesmo tempo que se enovelava, formando uma cortina - como se fosse cacimbo ou nevoeiro e impedindo que se visse o carro da frente. Baixa de Mungage.
Os unimogs correm céleres, levantando nuvens de pó branco, direi mesmo alvo. Pó fino e macio que se infiltra em todos os poros. Aquilo é talco, riqueza natural que espera a mão amiga do homem. Montanhas e montanhas de pó talco! Sob o seu efeito, tivemos de nos atrasar. Perdemos de vista o carro da frente. A meio de uma subida e repentinamente, na direcção do primeiro Unimog. soaram tiros. Um, dois, três, quatro, uma rajada!!!
Emboscada!!!...
«Parem, parem!!!...», gritei.
O condutor continuava, mouco às palavras pelo ronco contínuo do motor. Então maçarico, não olhando a outros meios e de arma na mão, saltei, lancei-me no espaço, desamparado. Julguei que nunca mais tocava o solo mas as pedras, fendendo-me a carne, assim como a roda traseira do carro roçando-me a cara, fizeram-me saber o contrário. Ao cair, rolei pelo chão e uma das rodas quase passou por cima de mim.
O unimog parou.
Os veteranos continuavam sentados, impávidos e serenos. Tomei de novo o meu lugar na viatura, massajando as partes doridas e ensanguentadas. Retomámos a marcha. Adiante, a outra viatura estava parada, aguardando-nos. De pé, o comandante da coluna (o médico, o doutor Águalusa, que era caçador) lamentava-se por ter falhado os tiros que fizera a uma pacaça.
Quando soube da minha atitude, comentou: “Não foi nada que eu não tivesse pensado que poderia acontecer...”.
Cisco Dio – SET/67.
- UNIMOG: Modelo dos carros militares, transporte típico com um banco corrido na caixa, sem taipal, e em que a tropa sentada vai virada para ambos os lados da via.
- PACAÇA: Animal de porte, africano, muito semelhante a uma vaca.
- COLABORAÇÃO: O blogue Cavaleiros do Norte está aberto à colaboração que quem tal desejar. Mandem textos e fotos para c.viegas@mail.telepac.pt. Serão publicados na primeira oportunidade.




segunda-feira, 29 de junho de 2009

O exame do sô Cabrita, que era soldado básico...

Furriéis Cruz e Viegas, dois dos «professores» do Quitexe, com o Neto. As
aulas regimentais funcionavam no coberto que se vê atrás, ao lado do Bar dos Soldados

Estrada de Carmona, no Quitexe, em foto de Franklin (2009)

A estrada para Carmona era caminho de muitos de nós, que lá íamos do Quitexe, sempre que podíamos, para «descontrair»... - as mais das vezes no transporte do SPM, que era de todos os dias menos à 2ª. feira, se bem me lembro. A cidade, já era de muito boa dimensão e parecia-nos organizada, muito agradável e com muitas respostas aos nossos desejos de jovens que por lá passeavam as irreverências e apetências dos 22 para 23 anos.
Um dia, o Cabrita - que não sabia ler nem escrever... - foi lá «descontrair-se», na véspera de fazer o exame da 4ª. classe, preparada numa improvisada sala de aulas, mesmo ao lado do bar dos soldados, no Quitexe (foto). Ele e outros!! Por ele, e por ser ele aqui falo desta pequena história, havia uma afeição muito especial. Já não consigo narrar os pormenores do exame, mas sei que o Cabrita andava nervoso, angustiado, ansioso, cheio de dúvidas. A gramática, a matemática, as contas... «As contas, ó sô Viegas... Ai as contas!...», queixava-se ele, timorato e constrangido.
O curioso é que aquela cabecinha do Alvor algarvio - em cujo hotel a namorada fazia limpezas... - , aquela cabecinha do sô Cabrita fazia contas de cabeça com enorme facilidade e quase instantaneamente. Ora se assim fazia contas, que assim as fizesse no exame... - de cor!!! - e as passasse para o papel. «Aquilo é fácil, tenha calma...», tranquilizava-o eu! Procurava tranquilizar.
O Xico Neto e o Cruz, também eles «senhores professores» das regimentais aulas do Quitexe, tinham andado dias a fio a tentar "catequizá-lo" para o exame. Mas qual quê?, o sô Cabrita era um molho de nervos!
Na manhã do exame, passámos pela capela e parámos um pouco: «Então, ouça lá, você não quer o exame para tirar a carta de barco?!....", perguntava eu. Isso era o que ele queria, ele era pescador e queria ter o seu próprio barco. «Então, acredite que vai passar...», disse eu. «Não vou, não... sô Viegas», titubeava ele.
Na hora do exame, o sô Cabrita ia lívido. E lívido o deixei! Não uma hora depois, estava de saída, muito intranquílo, desassossegado. «Estragou tudo!...», pensei eu. Mas, não: fez o exame lindamente e passou, ganhando o diploma da 4ª. classe. Hoje, dispõe de embarcação própria, a Dulce Helena, no porto de pesca de Cascais, e nele já fui eu, com ele e a família, numa procissão do mar.

domingo, 28 de junho de 2009

O Fernandes que fez de Neto por umas horas...

Furriéis Fernandes e Viegas, na rua de baixo (avenida) do
Quitexe. A casa da esquerda era o «solar» dos furriéis!



O Fernandes era da 3ª. CCAV do BCAV 8423, que se instalou na distante e algo isolada Fazenda Santa Isabel. Furriel miliciano atirador de cavalaria, vinha algumas vezes ao Quitexe. E por lá esteve alguns dias, por exemplo nas passagens para férias.
Algo reservado, talvez tímido até, mas muito bom camarada, amargou por lá o constrangimento de uma precoce queda de cabelo e nós, meio abrutalhados, bem lhe brincalhávamos o juízo por causa disso, sem cuidarmos muito do seu desgosto e das atenções que lhe devíamos. Foi psicologicamente forte, nesse nosso desrespeitoso e leviano agir. Também é desta têmpera que se fazem os homens maiores!
Como eu era dado à conversa (mais fiada, ou menos desfiada...) tivemos tempo para largos passeios na urbe quitexana (como o da foto), alturas em que ele sempre me falava da vida espartana da malta que estava em Santa Isabel e dos luxos dos aquartelados na vila. Que não, que «não é bem assim...», ripostava-lhe eu, em defesa da minha dama e apostando-lhe com o rigor do meu «conhecimento estratégico» (!!!!...), desenhando-lhe cenários que justificavam a minha teoria de que era «muito mais perigosa a defesa e segurança do Quitexe». E, portanto, «muito mais seguro e tranquilo estar em Santa Isabel!...». Ele que não tivesse dúvidas, blá, blá, blá...
Mas o Fernandes vem aqui por outra razão: a do sentimento e o da camaradagem.
Um dia, um nosso companheiro falhou na apresentação para o serviço de sargento de dia, na formatura das 8 da manhã. Era um domingo, saía eu próprio de serviço e não o poderia substituir. Era meu amigo de peito o camarada em falta, naquela hora a flautear-se por Luanda mas em gravíssima falta disciplinar no Quitexe. Flautear-se, é como quem diz, pois foi a Luanda para ver o pai, em trânsito para Moçambique - sem que o chegasse a ver.
Tínhamos nós (eu e o Neto, era este o «faltoso»...) combinado que se naqueles dois ou três dias em que foi a Luanda (de fugida...) ele fosse nomeado à ordem, eu o susbtituíria. Dizia-se na tropa que lhe «matava» o serviço e nada de pecado viria ao mundo. Só que alguém, propositadamente, fez com que fosse o próprio Neto a substituir-me no serviço de sargento-de-dia. O que nem era habitual, por sermos do mesmo pelotão! Sabemos quem foi, mas não vem agora ao caso.
Entrou aí o Fernandes, que acordei lá para as seis da amanhã. «Eh pá, se o Neto não chegar tens de ir tu à formatura, eu depois faço o serviço...».
Dispensando pormenores da apressada conversa dessa madrugada dominical, prontificou-se ele a fazer de... Neto, pois o Neto não veio mesmo, e depois continuei eu, assim como não se quer a coisa e com a cumplicidade do «novo» oficial de dia, o nosso saudoso (alferes) Garcia.
O Fernandes, e era aqui que eu queria chegar, assumiu de corpo inteiro a situação, num gesto de generosidade e absoluta camaradagem que lhe poderia ficar bem caro. E a mim! Ainda há dias falei deste «caso» com o Neto - que, na altura e por uma hora ou duas, afinal, não conseguiu encontrar-se com o pai, em Luanda, nem dep
ois chegar a tempo ao Quitexe! Ainda hoje me «deve» este «serviço» e disso nos divertimos um destes dias, num encontro que inevitavelmente teve o Quitexe como tema quase único!
- FERNANDES. António da Costa Fernandes, furriel miliciano atirador de cavalaria da 3ª. Companhia de Cavalaria do BCAV 8423 (Santa Isabel), agora professor, de Lomar (Braga).

sábado, 27 de junho de 2009

O velho soba e a bandeira portuguesa...

Furriel Viegas no Detacamento Militar de Luísa Maria (Novembro de 1974)
Rua do Quitexe, ligando a de Cima (estrada Luanda-Carmona) à de baixo (avenida).
Ao fundo, vê-se o edifício onde funcionava o Comando da CCS do BCAV 8423
Voltemos ao Quitexe e ao dia-a-dia de muitos jovens que, no fulgor da juventude, eram arrimados para cenários de guerra. Dias maiores e melhores eram sempre os que correspondiam à chegada de companheiros deslocados em outras companhias - Zalala, Santa Isabel e Aldeia Viçosa, ou quaisquer outros destacamentos do BCAV. Ou nós mesmos por lá passávamos.
Eram momentos importantes,nomeadamente pela troca de confortos e experiências, que eram colhidas de sementeiras emocionais e psicológicas diferentes, é bem verdade, mas que nos emprestavam um maior sentido de serviço e coragem. Se há tempo em que a solidariedade existe, não tenhamos dúvidas, é na tropa. E nomeadamente nos tempos de guerra.
Um dia importante, de data de Novembro de 1974 que não consigo recordar, foi o de uma de uma saída ao Destacamento de Luísa Maria (foto de cima), com passagem, no regresso e inesperada, por uma sanzala, na qual a autoridade do soba tinha sido posta em causa, com agressões morais e físicas pelo meio. Foram momentos menos fáceis. Havia a suspeita (depois confirmada) de por lá estaram infiltrados «inimigos» e nestes momentos de virtual confronto, em que a fúria, o medo e a dor não sossegam a alma, tudo pode acontecer.
A informação de que dispunhamos apontava para acções retaliatórias contra antigos e actuais GE´s e sobas. E também sabíamos que «desconhecidos» tinham abatido por esses dias um antigo GE, para os lados de Vista Alegre.
Os novos cenários políticos resultantes do 25 de Abril tinham criado uma janela de abertura e contactos que apontavam para a paz, mas... nunca fiando. Era esse o perigo maior! A área dos chamados «quartéis» de Camabatela e Quiculungo seriam as mais sensíveis e era para essas bandas que inesperadamente iríamos ter de passar, no regresso de Luísa Maria ao Quitexe - numa longa volta por picadas de pó que eram novas nos nossos destinos. E virtualmente traiçoeiras!
Lá chegados, achámos o velho soba da sanzala (não me lembro do nome) agredido e ensaguentado à porta da sua palhota coberta de capim seco, com uma velha mauser sem balas pousada ao lado, rodeado de carpideiras em cânticos plangentes. Foi levado para o Quitexe, onde foi socorrido no hospital e «entregue» à administração civil. Pelo caminho, houve tempo para uns tiros a uma pacaça que galgava na picada. Recordo, como se fosse hoje, o sorriso do velho soba, de boca rasgada e larga, sem dentes, a olhar o entusiasmo dos soldados que a todo o tiro tentavam abater o animal - sem conseguirem, a coluna, de resto, nunca parou... - mantendo-se ele firme e sem um ai, ainda que roído de dores, sentado no unimog e com o sangue a secar-lhe nos grossos lábios de rosto desbarbado.
O sorriso era aquele fechar de lábios de quem sofria como, aliás, bem se notava nos breves esgares que não nos podia ocultar. Mas sempre se afirmando fiel à bandeira portuguesa, como fez questão de recordar a todo o passo dessa viagem de regresso ao Quitexe.
Uns dias depois, no jardim da vila, vinha eu a sair da estação dos Correios quando o vi, de longe, a parar ao toque do arrear da bandeira, na rua de baixo - em sentido, firme, em pose garbosa. Arrepiei-me!
- SOBA. Autoridade civil tradicional em Angola.
- PACAÇA. Animal semi-selvagem, idêntico às vacas europeias.
- MAUSER.Arma de origem alemã, que foi usada pelo exército português. Mais usual, no nosso tempo, era a G3.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Vícios e desejos da Luanda de Agosto de 1975...

Carlos Sucena, Gilberto Marques (amigos de Águeda),
furriéis Viegas e Neto, na casa de Manuel Cruz, em Viana (Angola)
Furriel Monteiro, Carlos Sucena, Gilberto Marques e
furriel Viegas, na mesma casa de Viana (Angola)

Agosto de 1975 já foi tempo de repenicarmos os sinos do regresso a Portugal. Para trás, ficavam 15 meses de entusiasmos e pequenos dramas, vividos entre as dores e alegrias do Quitexe e uma guerrilha urbana da cidade de Carmona - onde «estagiámos» no BC12 e apanhámos os maiores sustos da comissão. Histórias que aqui já vieram, algumas! E outras, que virão.
Venho falar de Agosto do regresso, porque o Monteiro, regado do entusiasmo de ser ver no blogue - onde lhe fiz, anteontem, aleluias e hossanas do seu amor eterno (a Nani) - m´enviou esta foto, a de baixo. Ai estão ele próprio, o Sucena, o Gilberto e eu. E onde é que foi, onde é que não foi. «Não me lembro aonde estávamos a comer marisco e também não me lembro dos rapazes que estavam connosco», epistolou-me ele.
É claro, acrescentou, que «o prato que não tem ninguém seria do Chico Neto, que estaria a tirar a fotografia, certo?». Certo, ó Monteiro! E a foto foi tirada aí por 15 de Agosto de 1975, na casa onde habitámos em Viana, fazendo as vésperas do regresso a Portugal, regalando-nos na boa vida! E aquela namoradona dos CTT?!!!
Foi um tempo imensamente vivido pore todos nós, laureando o queijo entre o Mussúlo, a ilha e a restinga, a baixa de Luanda, umas valentes cervejolas e saborosos e picantes mariscos, matando a nossa gulodice pela Portugália, a Mutamba, a Paris Versailles, o Pólo Norte e o Amazonas, o(s) Floresta(s), etc., etc., etc. E umas idas ao 8, ao 23 e ao 24! Luanda fervilhava, naquele tempo (não vou agora lembrar porquê), e nós por lá quase levianamente andávamos na vadiagem, galgando noites atrás de noites pelos bares americanos, por sítios cheios de vícios e desejos soltos! Ou por esplanadas, restaurantes e bares, dando satisfação aos outros desejos e fomes, as do estômago!
Olhem aí, ó meus caros, ai se nos agarrávamos nesse tempo! Há quase 34 anos!
- SUCENA. Carlos José Sucena Miranda, 1º. cabo escriturário em Luanda, meu companheiro de turma e amigo. É da Borralha (Águeda) e empresário num país africano.
- GILBERTO: Gilberto da Silva Marques, civil amigo e conterrâneo de Águeda, ao tempo em Luanda. Empresário em Oliveira do Bairro.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Violas e músicas em noites de Natal e Ano Novo do Quitexe

Furriéis Peixoto, Neto e Viegas na noite de passagem de ano de 1974, no
quarto «Agueda» do Quitexe (em cima) e o violeiro Viegas (em baixo)


Não passe pela cabeça de ninguém que andávamos nós, coitadinhos!!!..., todos constrangidos e amargurados lá pelo Quitexe, sofrendo e gemendo num vale de lágrimas e tristezas que nos tornariam infinitamente infelizes. Nem pensar!!
As duas fotos são disso exemplo, embora ambas bem fraquinhas de qualidade, graças a Deus.
A da esquerda, vejam lá, mostra-me de viola embalada no peito e a dedilhar quaisquer desajeitadas notas, em pose de virtual artista!! Como se soubesse eu tocar coisa alguma, quando era um susto a violar! A amostra, aliás, não passa de brincadeira de uma noite muito especial: a do Natal de 1974! Por cá, embrulhados de lãs, samarras e bilharacos, com bom vinho tinto degustado à lareira, se preocupariam parentes e amigos com os pobres diabos «exilados» na tropa angolana...
Nós por lá, porém, depois do bacalhau comido no refeitório geral e das palavras de bem-dizer e bom querer debitadas pelos nossos estimados comandos, fomos refeiçoar afectos para a casa dos furriéis.
Bom vinho, eu lembro que foi. Com chocolates, suponho! E febras de bacalhau cru. Com música desajeitadamente dedilhada por quem de música só sabe o nome das notas da pauta. Mas foi um festão!!!

E quem se lembra desta noite, quem? Eu, claro, ó Monteiro, ó Neto, ó Pires de Bragança, ó Rocha, ó Peixoto, ó não sei quantos mais!
«Ódepois», na noite de passagem de ano (creio eu), vejam só o trio: o Peixoto de (voz, de micro e balde na mão, para fazer percussão?!), o Neto (viola-ritmo, digo eu...) e eu (viola-solo, ou o quê?!...). Ganda grupo, pá!
Nambuangongo teve honras de um improvisado playback de truz!!! Um playback emocionado, cantado e decantado, repetido e adulterado, entre fartos goles de vinho tinto comprado algures em Carmona! E aquela canção dos pretinhos da Guiné, cujo nome agora não me recordo! Quais galas da canção da RTP, da SIC ou da TVI, quais quê?! Foi um fartar de vida bela, com picantes sátiras à nobreza dos apelidos de D. Peixoto. Taveira de Peixoto, pois então!!! Que fino!!!
- PEIXOTO. João Domingos Faria Taveira de Peixoto, furriel miliciano, de Braga, professor.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Juras e verdades de amor do Quitexe para Portugal ...

Furriéis Neto e Viegas a gravar cassetes no seu quarto (comum) do
Quitexe: «Olá amor, olá Ni...», diria o Xico Neto

Furriéis Monteiro e Viegas a gravar «mentiras» d´amor para
Nani (Fernanda Queirós Monteiro) no quarto do Quitexe. Sorriam, se faz favor!

Nani e Ni: ora leiam lá minhas meninas,
por que vos trouxe eu para aqui!
Cliquem nas fotos para as ampliar

Estas duas meninas da foto, a Nani e a Ni, aqui com cara de quase cinquentonas mas notoriamente muito, muito bem conservadas, foram duas das maiores «vítimas» da implosão romântica dos furriéis cavaleiros do Quitexe do meu tempo. Do Monteiro e do Xico Neto, bem entendido! E respectivamente! Eram, ao tempo, as doces e apetitosas namoradas deles. Hoje, suas amadas e desejadas mulheres de muitos anos!
O que arrimava hoje um, de juras de amor eterno e promessas de fidelidade total e absoluta, caprichava o outro no momento seguinte - renovando e multiplicando votos. Era um ver-se-te-declaras-meu-amor permanente!
Um dia, o Monteiro descobriu que o Xico Neto, por cassetes gravadas no nosso quarto, romanceava grandes e quentes juras de amor para a sua Ni! Juras que ele mandava para Portugal em repetidos sacos de açúcares de paixão (as cassetes). A Ni era (e é!) a Eunice os seus desejos, que pelo Beco de Macinhata (Águeda) se deitava em sonhos e pesadelos de saudades do seu mais que tudo!
«Então, olha lá... e a minha Nani?!....», interrogou um dia o Monteiro, a deitar suores de saudade por tudo quanto eram poros do seu corpo quente, nostalgiado da ao tempo jovem professora primária que assinava Fernanda Queirós. Como hoje, mas já avó! A Nani!
«Também quero mandar-lhe uma cassete!...», proclamou o apaixonado e delirado Monteiro!
Então, mas qual é o problema? Grava-se uma cassete para a Nani! E para a Ni!
Tudo foi estudado ao pormenor: a força da rima do verso de paixão, a quadra de piedosa (digo eu!...) e generosa promessa de amor eterno, «ó minha isto, ó minha aquilo, ó meu sonho de todas noites, ó meu corpo de desejos, ó minha mulher de Canaveses (ou do Beco) que me sensualizas os sonhos, ó coisinha q´adormeces as minhas noites do Quitexe!». Tão a ver?
É evidente que, hoje - 35 anos depois... - eu não me lembro bem, nem aqui poderia repetir a hora e meia da cassete, cheínha da conversa fiada de juras que se faziam amoras e amores destes jovens furriéis de Abril, armados em cavaleiros do Quitexe. Mas sei, tenho a certeza, 35 anos passados, que não cometi sacrilégio nenhum sempre que palavreei o mais fácil e adocicado que soube e me dispus a «coordenar» e acicatar as declarações destes dois furriéis do Quitexe - um de Águeda ( o Neto), outro de Vila Boa de Quires, de Marco de Canaveses (o Monteiro).
Ali no meu sótão, encontrei um poema, de não sei quem, que foi declamado em cassete cor de vinho, para a Nani e a Ni: «Amor, que carregas na mochila da saudade/As saudades das muitas nossas noites nuas.../Lembra-te da flor aberta do nosso coração/Inventa sonhos do meu rosto e de luas/E mata assim a tua e nossa solidão».
Estas cachopas que tantas «mentiras» leram e ouviram, agora já felizes e realizadas cinquentonas, corariam de certeza, ainda hoje, se, num qualquer madrigal de serenata, agora lhe cantássemos ao ouvido estas juras lavradas nas noites de cio e romance do Quitexe.
Sorriria, certamente, a doce Nani! A Nani que ali está na foto, com o cestinho de afectos pendurado na mesma mão direita que tantos corações traçou de setas, em nostálgicas cartas/aerogramas para o Quitexe!
Sorriria, seguramente, a amada Ni!: «Vocês são uns malucos!...».
Olhem lá, digo-vos eu: portem-se bem e amem os vossos desejados maridos, meus amigos e antigos furriéis de Abril e do Quitexe!
- NANI. Fernanda Queirós, ao tempo namorada e hoje mulher do )ex)furriel (José Augusto Guedes) Monteiro.
- NI. Eunice Santos, ao tempo namorada e hoje mulher do (ex)furriel (José Francisco Rodrigues) Neto.

terça-feira, 23 de junho de 2009

O soldado que se deixou morder por um cão do Quitexe...

Rua principal do Quitexe (rua de Cima) em 2009, do
lado de Carmona, e em 1972 (em baixo
)







CRÓNICA de
A. CASAL FONSECA
Marrazes (Leiria)
Foto da época








Se havia coisa que me causava apreensão nas ruas do Quitexe, era ver cães vadios a deambular. Alguns mais pareciam radiografias e, aí, passava da apreensão à revolta! Há pessoas que não gostam de cães mas eu sou completamente doido por eles! Admito algum exagero, mas não consigo evitar este apego e o meu que o “diga”!
E cá vou «transportar-me» para a rua de cima, ali mesmo à frente do bar “A Geladinha do Quitexe”, de Dona Carlota e sr. Vitorino. Para trás, tinha deixado o Topete, onde me tinha saciado com umas cervejas na companhia do Álvarito que, melhor que eu, dava uns pontapés na bola. Eu, futebolista falhado no Leiria e Marrazes e ele excelente avançado no Marinhense.
Naquele dia, ele estava radiante e tinha razões de sobra. Afinal, o Quitexe nem era aquele fim de mundo de que tanto se falava! Ali, naquela pequena vila, alguém o foi contratar para jogar no Recreativo de Uíje! Finalmente, iria pôr à prova todos os seus dotes de exímio avançado/goleador!
Aproveito o cumprimento do Sr. Guedes, vizinho do Topete, que avistando três cães encetou conversa sobre eles. Queixava-se do perigo que representavam e, sorrindo, lá me foi avisando que não respeitavam fardas para satisfazerem os seus instintos. Finda a conversa, não folguei mais de um minuto, até sentir os dentes bem afiados num membro inferior, impacto que quase me tombou! Fiquei aterrorizado, não tanto pela dor mas pelo sangue que, em segundos, já pintava o alcatrão de vermelho! Aquilo não era normal e ainda por cima protegido com o camuflado!
Ainda retenho a imagem de uma miúdita, filha de um comerciante, penso que seria Barata, fugir apavorada para a loja e aos gritos. Ainda bem que o amigo Álvarito já não estava comigo, porque só ia complicar! Tinha aqueles problemas com o sangue…”adormecia” e dizia que era de família! Um indivíduo dirigiu-se a mim e, com voz segura, disse-me: «Puxe depressa as calças e tanto me faz se é para cima ou para baixo!...».
Olá… então, mas como é que é…?! Mas quem é este gajo com este paleio?! Vendo que eu não estaria muito por aqueles ajustes, cerrou os punhos e gritou: «Porr…está a olhar para onde? Está com medo de quê, sou o enfermeiro Simões do Quitexe …!».
Não hesitei e num ápice fiquei em parcos preparos. Ele tinha acabado de prestar os seus préstimos a uma senhora doente e foi o chamado anjo caído das alturas. Mais tarde, vim a saber da sua polivalência e dos serviços requisitados como parteiro, vindo a destacar-se profissionalmente em Viseu, no pós-75.
Agora, apesar das dores, eu já não estava tão preocupado com o ferimento que até passara para segundo plano! O que me preocupava, isso sim e muito, era a falta de indumentária! Bonito serviço, meia dúzia de negros a apontarem-me o dedo com risos trocistas e eu, ali imobilizado, a soltar de vez em quando um esgar de dor ao ritmo dos curativos!
O cão tinha sido certeiro, ao apontar para uma veia importante, o que causou toda aquela angústia!
Passados 37 anos, ainda guardo “orgulhosamente” a sua imagem de marca! Como se não bastasse o sofrimento, ainda fui chamado ao capitão (já esperava…), para justificar a minha presença naquele local, àquela hora. Mas como é que a notícia lhe chegara ao ouvido? Eu sei muito bem quem lha transmitiu mas vou guardar segredo, não é melhor amigo …?! Ainda bem que concordas comigo!
Claro que a humilhação a que me sujeitei na rua foi omitida, não soubesse eu bem o que teria de aguentar por dois anos... no mínimo! Como muita gente civil branca soube do ataque canino e me questionavam sobre a gravidade, passei a andar de calções para que todos matassem a curiosidade. Pensando bem, não houve moçoila que, ao passear aos fins-de-semana na rua de cima, não pusesse os olhos na minha figura, segredando e sorrindo! Como me sentia importante! Seriam movidas apenas pela tal curiosidade? Talvez, mas nos meus 22 anos confesso ter sentido um certo gozo com tantos olhares! Houve quem, por gracejo, contasse as marcas para ver bem com quantos dentes tinha sido acariciado! Porque alguém se lembrou de propagar que eu teria protegido a ainda criança do ataque do cão, notei passar a ser o centro das atenções e estar a receber a simpatia de alguns civis, agradecidos pelo meu acto de “bravura”!
À minha passagem, ouvia dizer meio entre-dentes mas com sentido de admiração: «Olhe, Dona Esmeralda, foi aquele soldado … ali aquele…, de calções». Afinal, nós podemos ser heróis em qualquer parte do mundo! Imagine-se, até na rua da pacata e bonita Vila do Quitexe!
A. CASAL FONSECA
Marrazes (Leiria)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Dias e nostalgias do Quitexe!


Há olhares nostálgicos em todo o lado, até no Quitexe, este na cadeira de fitas da entrada da casa dos furriéis, num qualquer final de tarde dos finais de 1974. Não faço a menor ideia, é claro, do que me passaria pela cabeça naquele momento! Teria saudades dos cheiros e dos sons de Ois da Ribeira, a minha aldeia?! Vontade de me sentir perto de alguém?! De uma mesa farta de uns bons rojões com grelos e broa da Maria Dulce, a senhora minha mãe - ao tempo viúva de dois anos?! Ou de um bom leitão assado à moda da Bairrada?!

Não sei! Paixão, não era!!! Que eu era rapaz de coração livre como os passarinhos que voavam na nossa imaginação e o correio que eu recebia às mãos-cheias era tudo epístolas de gente amiga e da família! Nada de namoradas!

Os dias do Quitexe tinham... dias! Alguns bem amargados no pó que nos «embebedava» nas picadas e entossicava as emoções, quando, de olhos bem abertos e sentidos apurados, queríamos não ouvir os nossos medos! Outras, de farta folia, nos bares civis e no aquartelamento - quando nos juntávamos em corropios de palavras e de cervejas, emendando ideias e aplainando teorias sobre o Portugal que se embruulhava em revoluções e contra-revoluções!

Talvez ali nesta foto eu estivesse a avaliar, sei lá..., o como tantas vezes eramos imprudentes heróis, sempre que nos aventurávamos em patrulhas e operações que esventravam florestas e trilhos, por onde gretávamos os olhos de alguns medos - para nos sentirmos mais fortes, se a madrugada de alguma guerra nos obrigasse a jorrar sangue e defender em palmos de terra, o metro a metro da nossa segurança!

Ou estaria a espreitar alguma caucasiana do Quitexe, que pela avenida de baixo fosse a desfraldar as suas asas, inspirando-nos pecados de carne que aqui não devo contar?!!!
Eram dias!!! E nostalgias!!! Isso eram!


domingo, 21 de junho de 2009

O que teve a ver o Expresso com um levantamento de rancho

Furriel Viegas lendo a Revista do Expresso, no varandim
do bar de sargentos da CCS, no Quitexe (Outubro de 1974?). Clique para ampliar.

Expressamente, lendo coisas de Portugal. Notícias do «puto», no Expresso - jornal que chegava ao Quitexe na tarde de 2ª. feira, através do Serviço Postal Militar (SPM). Lá para terça ou quarta, recebia as edições de fim de semana do Jornal de Notícias (JN) e de 2ª. feira, que eram devoradas linha a linha. Por mim e por todos! E quanta confusão e perplexidade nos causava o que líamos. Às vezes, recebíamos A Bola. Por vezes, conseguíamos ouvir os relatos de futebol, na Emissora Nacional - a agora RDP!
Do Expresso, recordo os desenvolvimentos dos SUV (Soldados Unidos Vencerão), em, pleno 75 de convulsões e revoluções lisboetas. Coisas que nós, com formação militar pré-25 de Abril, tínhamos constrangimento em compreender. Alguns de nós, bem entendido! E os que de nós vinham de férias a Portugal, não levavam no bornal esclarecimentos que nos adequassem aos tempos que se viviam em Lisboa! Por outro lado, como já aqui contei, notícias havia do Expresso que não eram notícia: vejam a «história» da ponte do Dange (no post de 23 de Maio).
Um dia, na caserna do PELREC, pôs-se-nos um dilema: um protesto que levedava para um levantamento de rancho. O caldo de notícias que nos chegavam entusiasmavam a tropa para assumir o levantamento (que era «cousa» pouco interessante e grave... ) e as fervuras eram, digamos, perigosas. Lembro-me que me socorri dessa não-notícia do Expresso, para «fazer-ver» aos irmãos soldados e cabos que nem tudo era o que se lia! E não houve levantamento de rancho, coisa nenhuma.
A avidez das notícias, valha a verdade, eram muito mais pelo que tinha a ver com os futebóis! Mas eu, lembro-me bem, sempre ia a correr dar uma notícia qualquer, a um qualquer companheiro, sempre que fosse da terra dele, ou vizinhanças. Era um momento mágico, que na maior parte das vezes se regava com umas boas cervejas! Uns valentes canhângulos!

sábado, 20 de junho de 2009

Matos, o furriel memorizador de números mecanográficos

Cabos Milicianos Neto, Viegas, Matos e Monteiro,
no RC4 de Santa Margarida (Março de 1974). Clique na foto, para ampliar.


Não falar do Matos neste espaço de Cavaleiros do Norte seria imperdoável. O Matos, que eu não sei se lê isto (ainda agora lhe tentei falar), era furriel miliciano atirador de cavalaria, «fixou» a sua comissão na secretaria do 2ª. CCAV, aquartelada em Aldeia Viçosa, e por lá bebemos boas nocais e ekas, e cucas!, com uns bons pregos no pão, carregados de gindungo. Aqui vizinho de Anadia (Avelãs de Caminho), não nos conhecíamos até que a tropa nos juntou nas dores da instrução de Lamego, nos Rangers.
Algo que não recordo, nos separou os caminhos militares, seguindo cada um pelo seu, até que a mobilização nos voltou a «casar», em Santa Margarida - ele, garboso cabo miliciano de cavalaria, eu de igual posto, mas dos Rangers! E lá fomos para Angola, cada qual na sua companhia, do mesmo batalhão.
Sempre que o serviço permitia - e permitiu muitas vezes!!!... - lá estava eu a passar por Aldeia Viçosa, ele menos pelo Quitexe!, emparceirando conversas que nos traziam às rivalidades entre os dois municípios (Águeda, o meu; Anadia, o dele), o que nos fazia despicar de forma divertida e nos ajudava a «falecer» as saudades que naturalmente cresciam a cada dia que passava. Quantas dessas conversas recordámos nós, já em Portugal e por altura das quatro Taças Latinas de Hoquei em Patins e do Europeu de Basquetebol, no pavilhão de Anadia!
O que me traz o Matos aqui, porém, nada tem a ver com bolas e stiques.
É que o Matos, com aquele tique que ele tinha, com aquele bigodito negro a medrar-lhe sobre o beiço, tinha uma coisa que ainda hoje considero fantástica: a memória.
Então não é que o Matos sabia de cor e salteado, de trás para a frente e da frente para trás, todos os números mecanográficos de todos os militares da 2ª. CCAV?! Todos, mesmo!! Cada um com oito algarismos, como todos sabemos!
Ainda última vez que estive com ele, lhe quis pregar uma partida: «Então, olha lá, qual é o número do Mourato!!!».
E, zás, num ápice, respondeu ele: «Tal, tal, tal e tal!!!...».
«E o do Letras?!!!...».
E o Matos, pumba, metralhou-o, algarismo a algarismo!
Espantoso, meu caro Matos, de Avelãs de Caminho! Ainda hoje acho isso admirável!
- MATOS. Mário Augusto da Silva Matos. Furriel miliciano atirador de cavalaria, quadro de serviços, mora em Anadia.
- MOURATO: Abel Maria Ribeiro Mourato, furriel miliciano vagomestre, de Portalegre.
- LETRAS. António Carlos Dias Letras, furriel miliciano de Operações Especiais, empresário, de Palmela.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Ora perguntai lá ao inimigo quem somos!

Alferes Sampaio (oficial dia) e Garcia e o furriel Viegas, a 10 de Outubro
de 1974, no Quitexe, no momento da partida para mais uma missão.
Notam-se alguns soldados na berliet.


A 26 de Junho de 1974, foi dia da nossa primeira ida ao Destacamento da Fazenda Luísa Maria - fazendo protecção ao comandante da Zona Militar Norte, que era também o Governador do Distrito de Uíge, o brigadeiro Altino de Magalhães.
Por esses dias, tinha sido o juramento de fidelidade de todos os alferes, o que foi razão para farta brincadeira com os nossos jovens companheiros oficiais milicianos. «Jurar, tens de jurar? Quem mais jura mais mente...», glosávamos nós, principalmente na nossa relação com o Alferes Garcia, o comandante do Pelotão de Reconhecimento, Serviço e Informação da CCS. Oficial de Operações Especiais - Ranger, como nós!
O 25 de Abril tinha acontecido havia dois meses, muitas e fartas labaredas de paixão política e revolucionária se acendiam e apagavam da noite para o dia, discutiam-se os méritos e deméritos do que passava em Lisboa e nós, por lá, reflectíamos os slogans gritados e assumidos em Santa Margarida, onde decorreu a nossa instrução operacional, pré-25 de Abril: «O soldado português é dos melhores do mundo!». Ou «o exército português é o espelho da nação!», também «o suor da instrução é sangue que não corre!». Ou ainda o básico princípio de «querer e saber querer», que permanentemente nos incitavam e psicologicamente preparavam para as tarefas que íamos ter em Angola. O lema era «Perguntai ao inimigo quem somos!». Perguntaríamos?

- «Será que isto tudo valerá a pena?», interrogámo-nos muitas vezes, nos primeiros tempos de adaptação às terras do Quitexe e normalmente nas horas imediatamente anteriores às nossas partidas para uma qualquer missão - como no da foto.
Por Lisboa, no «puto», ia o que nós nem sabíamos bem - ou sabíamos de forma quiçá adulterada, seguramente confusa. Se vão entregar «isto», porque estamos aqui? Gritava-se nas ruas de Lisboa e de Portugal «nem mais um soldado para Angola!» Ou para a Guiné e Moçambique! E nós por lá!
«Estamos cá para isto e para isto nos preparámos...», dizia sempre, sempre entusiasmado e convicto, o querido Alferes Garcia, que foi nosso exemplo de coragem e capacidade de decisão em cada dia dos nossos dias ultramarinos. Era dos que perguntaria «quem somos», sem medo, ao inimigo que não conhecíamos.
- GARCIA: António Manuel Garcia, alferes miliciano de Operações Especiais, de Pombal de Ansiães. Foi agente da Polícia Judiciária e faleceu num acidente de viação, perto de Viseu, em finais da década de 70.
- SAMPAIO. Carlos João da Costa Sampaio, alferes miliciano atirador de cavalaria, da 1ª. CCAV 8423 (Zalala).

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Outros que no Quitexe estiveram antes...




Clicar na fotos, para as ampliar!!

Outros combatentes portugueses passaram pelas terras do Quitexe, lá deixando escrita história que os honra. Antes de nós! Por lá também eles semearam esperanças de paz e colheram e levedaram o sentimento de ser angolano! E multiplicaram partilhas e solidariedades que ainda hoje os mantém jovens de 22/23 anos - quando já vão sexagenários e avôs. Bisavôs, quem sabe!
José Oliveira, o César, que é ali do Porto e era da CCS, mandou-me fotos do encontro do BCAV 1917 deste ano, no Caramulo, a 30 de Maio. Aqui deixo três delas, com um abraço bem quitexano!

O furriel Morais e os primeiros isqueiros BIC no Quitexe

1º. Sargento Aires e o furriel-miliciano Morais. Vêem-se
ainda os furriéis Rocha e Cruz e, entre eles, o soldado Lages (do bar).
Clique, par ampliar a foto.

A frota de viaturas era essencial na execução das operações militares desencadeadas em zona de guerra. Já aqui vos contei do susto apanhado num dos habituais patrulhamentos que fazíamos em zonas de mata e às fazendas, para trazer e levar gente civil que ia ao Quitexe ou a Carmona para mercar - vender o que produzia, comprar que precisava.
O susto resultou de uma suposta emboscada, quando evoluíamos numa picada, arrimada pela serra acima - num dia em que, se havia de estar calor de rachar, era nesse! O lenço verde que nos protegia a boca e o nariz do pó fino das picadas, era... castanho e enlameado. Os óculos do tipo de soldador que usávamos para proteger os olhos, mal deixavam ver os vidros. E um unimog avariou!!
Foi lá, em socorro, o furriel Morais, com três ou quatro soldados - estávamos ainda bem perto do Quitexe, uns 20/30 quilómetros, na «estrada» de pó que ia para a Fazenda Luísa Maria. Veio ele embora, continuámos nós pela picada fora.
À noite, no bar, interrogou-me o Morais: «Aquilo é sempre assim?!...".
Aquilo era o pó! Aquilo era o capim crescido e de pontas crestadas do sol que abrasava os ares de Angola, eram os guinchos dos macacos a saltar de ramo em ramo, os cafezais imensos, de quilómetros atrás de quilómetros, a perder de vista e cheios de negros contratados no sul, que o tratavam e ripavam. Era o piso enrugado da picada e as curvas de mistérios que eram sempre cada curva que dobrávamos! Acho eu que o Morais estava naquela de extasiado e vencedor de algum receio. O receio de quem, furriel mecânico-auto que ele era, mal saía do aquartelamento.
Passou-se o tempo e o Morais veio a Portugal de férias, levando para lá a grande novidade dos isqueiros BIC. Uma noite, a conversar no varandim do bar de sargentos, disse-me o Morais, a perguntar-me, muito sério: «Vocês não têm medo quando saem?».
- «Temos, claro...», disse-lhe eu.
- «Mas já estão habituados, não é?!...».
- «É... - disse-lhe eu - só ficamos f... é quando as viaturas avariam!...». Estava a provocá-lo, na brincadeira, ele era o furriel mecânico-auto.
- «Lembrei-me disso uma série de vezes, agora em Portugal!».
O Morais disse-me isto com um ar algo seráfico, de tez comprimida, diria até que de corpo hirto. Puxou de um cigarro e ofereceu-me outro, deixando-me com ele na mão. Procurou o isqueiro nos bolsos do camuflado e acendeu-os! Foi a primeira vez que eu vi um BIC, a gás! Ao tempo, a 25 de Abril, os isqueiros careciam de licença e eram de gasolina. O Morais fez um novelo de fumo, expeliu-o no ar quente da noite e acomodou-se na cadeira de fitas de plástico. Eu, puxei o fumo e engasguei-me, a tossir! Eu não fumava!
- MORAIS. Norberto António Ribeirinho Carita de Morais, furriel-miliciano mecânico-auto, natural de Niza. É técnico principal da Estação Nacional de Tratamento de Plantas, em Elvas.
- AIRES: Joaquim António Aires, 1º. sargento mecânico-auto, de Évora, já falecido.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O palrador e malcriado papagaio do Bento....

Furriéis Bento, Reina e Viegas, no varandim térreo do
bar de sargentos do Quitexe (clique, para ampliar)

Hoje venho falar do Bento, furriel miliciano de Operações e Informações, nado do Barreiro e a paz e o sossego em pessoa. Nada afligia o Bento! Era rapaz de grandes tranquilidades, sempre de sorriso aberto e, diria eu, que meio envergonhado. Ora olhem para ele, na foto! Por ele, viria tudo de bom ao mundo!
São incontáveis as longas horas das noites quitexanas, passadas no bar e no varandim da entrada térrea, à conversa sobre as coisas actuais daquele tempo em que nos deixámos embriagar e enfeitiçar pelos cheiros e sabores africanos.
Não era de muitas palavras, o Bento! Era mais de sorriso de concordância ou abano de cabeça, na algaraviada das nossas conversas, entre parábolas e veemências de quem discutia razões e debatia argumentos! Sempre, entre todos, sem um qualquer azedume!
O que venho contar é a história do papagaio que o Bento comprou para oferecer à mãe. Comprou-o ele e ensiná-lo nós a papaguear os piores vernáculos! E o pior qual era? Era o papagaio dizer, empoleirado na gaiola ou a passear-se numa vara em que o agitávamos, como se dissesse a mais generosa coisa do mundo: «O Bento é pan....». Hoje, diria o papagaio que o Bento era gay.
O Bento, sempre bonacheirão e divertido, nunca se aborreceu connosco, até piada achava. E ria-se, ria-se, ria-se... Não só porque ele não era nada disso, como porque era a bondade e bonomia em corpo de furriel!
Abraços, Bento!
- BENTO. Francisco Manuel Gonçalves Bento, furriel miliciano de Operações e Informações, CCS, natural do Barreiro.
- REINA. Armindo Henrique Reina, furriel miliciano atirador de cavalaria, 3ª. CCAV 8423, de Belmonte.

terça-feira, 16 de junho de 2009

A serenata que deu em arroz de galo...

Antigo posto da Mobil, no Quitexe - nos dias de hoje. Já teve dias bem piores. Pelo tempo da minha passagem por lá, esta estrada (que liga a Luanda e Carmona) era espaço de largas caminhadas e fartas conversas - nas mais das vezes recordando as nossas terras de origem, os nossos amigos, as festas populares, as romarias, os madrigais que então se cantavam, em jeito de declarações nocturnas, nas ao tempo famosas serenatas.
Ali por perto, em casa sei eu de quem mas não digo, fizemos serenata uma noite, com um velho gira-discos geringonçando cantigas de bem-dizer e louvores ao amor!
Promessas e inocentes mentiras da juventude, que na terra quitexana tinham uma dimensão diferente, se sentiam de forma diferente, se entoavam em jeito de morna mal-ajeitada, quando queríamos e mal fazíamos coro em play-back.
A serenata, claro está, tinha destino, uma jovem estudante em Carmona, que por lá passava fins de semana em casa de família. Um borracho em quem todos púnhamos os olhos de desejo!
Pois bem, lá geringonçava o gira-discos e nós a pôr pimenta na letra. Pimenta e desejos! E esperanças de amores correspondidos!
Acendeu-se a luz, na casa de janelas cerradas que a protegia da noite. Subiu o calor à cabeça da malta: a miúda estava ali. Dava troco!
Só que não estava: quem levantou a janela interior de madeira, deixando jorrar luz da casa para a estrada, foi a mãe da cachopa! Que nos convidou a entrar! E o marido, olhe lá, não ficará mal a senhora?! Não irão mal-dizer os vizinhos por abrir a porta a três militares! E como embriagados estavam eles, de desejos que agora aqui não posso contar! Pois que não, qual quê? "Façam favor de entrar...!. E lá fomos nós, meio desconfiados e já de gira-discos sem pilhas.
Na cozinha de fora, pelo vistos nisso especializado, era o marido da senhora que tinha uma arrozada de galo prontinha a servir! Abençoada serenata! E sabem porque o fez? Porque a serenata lhes matou as saudades da terra onde nasceu o casal!

domingo, 14 de junho de 2009

Dois tipos de Ois da Ribeira no Quitexe!!!

Administração do Quitexe (Foto de Franklim, Abril de 2009)

Ontem, soube, sem querer, que o meu conterrâneo José Pires esteve no Quitexe. Vejam lá... o Zé Pires, irmão do presidente da Junta. Mora ali a 300 metros, perto do rio, e esteve lá entre Maio de 1969 e 1971, ele já não se lembra bem, mas na CCS de uma Companhia de Caçadores, que depois transitou para Catete.
Quem havia de dizer?! Outro dia, soube que por lá passou também o Carlos Costa, dono de um restaurante em Águeda! E o Tocá de Águeda e o Marques de Macinhata!
Falámos, naturalmente - eu e o Zé Pires - do que cada um de nós por lá passou e sentiu, sendo evidente a cumplicidade que quase nos tornava contemporâneos do Quitexe! Quitexe é, assim parece, uma palavra que inspira e multiplica magias e prende quem por lá passa.
Aliás, se há coisa que me surpreende é o incrível número de pessoas, antigos combatentes e civis, que se afirmam cidadãos do Quitexe e me têm contactado. Porque lá nasceram, cresceram e se fizeram adultos! Ou no caso do militares, porque lá passaram horas, dias e meses de amarguras e saudades, em plena juventude! E também muitos momentos de empolgamento. A vida é assim!
Curioso, o Zé Pires falou-me muito no Topete, do Rocha e do Pacheco (que na altura teria outro nome), locais de culto para umas boas cervejas e uns pregos no pão; de um estabelecimento com o nome de uma senhora estrangeira, madame qualquer coisa.. (que eu suponho ser o dos Guerreiros, no meu tempo), as sanzalas dos arredores, o Talabanza e a fábrica de serração, a enfermaria. E ele a falar e nós a imaginarmo-nos a palmilhar juntos aquela terra vermelha de Angola.
Bom, para dizer bem: ficámos um par de horas a beber cerveja e a falar do Quitexe. De onde ele nunca saiu, a não ser algumas vezes a Carmona e depois para Catete!
Vejam lá: dois tipos de Ois da Ribeira que estiveram no Quitexe! E não sabíamos um do outro! Um destes dias vamos trocar fotografias e falar à quitexano!!!

sábado, 13 de junho de 2009

Aldeia Viçosa e Santa Isabel, «casas" de outros cavaleiros

Aldeia Viçosa, em cima, vista aérea de meados dos anos 60
(da net) e o Tenente-Coronel Almeida e Brito (ao lado)

Havia alguma curiosidade, nossa, em conhecer os locais onde estavam as três companhias operacionais do BCAV 8423. Curiosidade aguçada pelo desejo de reencontrar os amigos feitos nos meses de preparação militar em Santa Margarida e que diferentes partidas para Angola tinham feito desencontrar. Nós, sentíamos-nos bem pelo Quitexe! E eles?! Como se sentiriam eles nas suas novas «casas»!?
A oportunidade surgiu a 26 de Junho de 1974, quando nos juntámos ao grupo que, de Carmona, escoltava os comandantes da Zona Militar Norte (General Altino de Magalhães) e do Comando de Sector do Uíge (Coronel Tirocinado Bastos Carreiras), a quem, no Quitexe, se juntou o nosso comandante - o então Tenente-Coronel Almeida e Brito (foto).
«Cuidado, atenção... vão escoltar os mais altos comandos militares da ZMN», avisou-nos que devia avisar - ao aviso juntando um rol de recados que agora não vem ao caso.
Lá fomos nós, e sem quaisquer problemas, na verdade, embora de olhos sempre bem abertos e sentidos bem apurados.
Aldeia Viçosa, por onde já tínhamos passado (na viagem de Luanda), era a "casa" da 2ª. CCAV. Lá encontrei o Matos, o Brejo, o Melo, o Letras, o Guedes, o Chitas. A vila, porventura mais pequena que o Quitexe, era bem agradável - nada de ser o tal "buraco" de que sempre nos falavam, a falarem de Angola. A 3ª. Companhia estava em Santa Isabel e lá galgámos a picada, ate à fazenda onde «moravam» os nossos companheiros. Tempo para, no bar, matar as sedes que se faziam do pó fino da picada, e do calor, e de trocar impressões sobre a «guerra». Por lá estavam o Reina, o Gordo, o Carvalho, o Flora, o Rodrigues, o Fernandes - só para falar dos mais próximos! Tudo gente bem disposta e tranquila.
As impressões trocadas, num e outro lado, deixaram-nos muito descontraídos e confiantes. Afinal, o admastador de medos que se tinha das traições e perigos da mata não seria coisa que «matasse» a nossa confiança! Confiança, aliás, reforçada por um relevante pormenor: se os mais altos comandos militares circulavam com a tranquilidade que vimos e sentimos - e eles teriam informações (secretas) que nós não naturalmente não conhecíamos - pois havia que termos serenidade e desafogo emocional.
Por conhecer ficou a famosa picada para Zalala, onde «acampou» a 1ª. Companhia. Foi a um outro dia!
- MATOS. Mário Augusto da Silva Matos. Furriel miliciano atirador de cavalaria. Actualmente, administrativo em Anadia.
- MELO: José Fernando Noro Dias de Melo, idem, de Alfarelos. Agente da GNR
- BREJO: João António Piteira Breja, idem, de Montemor-o-Novo. Trabalhador de Serviços
- GUEDES. António Artur César Monteiro Guedes, idem, de Peso da Régua. Sargento-Mor da GNR.
- CHITAS. António Milheiros Courinha Chitas, idem, de Gavião. Desconheço a actividade.
- LETRAS. António Carlos Dias Letras. Furriel de Operações Especiais, de Setúbal. Empresário.
- REINA. Armindo Henrique Reina. Idem, de Belmonte.
- GORDO. António Luís Barradas Mendes Gordo. Furriel miliciano atirador de cavalaria. Funcionário municipal em Alter do Chão.
- CARVALHO. José Fernando da Costa Carvalho, idem, aposentado da PSP, no Entroncamento.
- FLORA. António Pires Flora, idem, quadro da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa.
- FERNANDES: António da Costa Fernandes, idem, professor, de Lomar (Braga).
- RODRIGUES. Augusto Rodrigues. Alferes miliciano de Operações Especiais, quadro dos Serviços de Meteorologia do Aeroporto de Lisboa.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Amuos de amor, perdas e ganhos de paixões para uma vida...


Texto de
A. CASAL FONSECA
No Quitexe fora de horas, as noites eram de tranquilidade total. O calor, por vezes sufocante porque aliado à humidade, não dava tréguas. Era precisamente nestas horas de ócio que mil pensamentos assaltavam as mentes dos mais nostálgicos. Eram as saudades, as paixões, os amores, enfim…coisas do peito!
Naquela noite, o amigo R… estava numa tristeza que metia dó! Não seria provavelmente o único mas, sendo um dos mais alegres da Companhia, era de estranhar. A muito custo, lá foi despejando as angústias e desesperos que o seu amor de além-mar lhe estava a infligir. Passados seis meses após a sofrida despedida, as coisas pareciam ter esfriado. Isto, ele não entendia, porque dizia terem selado uma jura de compromisso! Eu, na maior calma do mundo (digo eu...), bem tentava chegar a ele uma outra possível realidade. Cumpridos alguns segundos de silêncio, colocando-me a mão no braço e olhando-me nos olhos em tom pausado e sereno retorquiu:
«Não, na minha terra não é assim… A gente quando namora é a sério… a gente não brinca às casinhas… casa mesmo!!!… Então como é?!...».
Aquele tom de voz franco era tão raro naquele dia-a-dia que quase se poderia considerar pecado. Sofria com a escassez de cartas recebidas, mas desesperava ainda mais com o seu teor. As frases que falavam de amor, de paixão e de outros momentos felizes escasseavam de missiva para missiva! Pois é, pois é…, ele também só lhe falava de tropa, do tempo e pouco mais!

«Sabes, Casal, eu nunca fui muito de coisas assim mais…, pronto mais íntimas...», dizia-me! «Sabes, a gente no campo… essas lambuzices! Ah!...».
Estava ali um belo bico-de-obra, que eu estava muito empenhado em resolver (ajudar). Meter-me ali não ia ser nada fácil, mas o risco também existe para ser corrido! E se eu conseguisse imitar a letra e escrevesse um anexo? Seria uma pequena maldade… e inocente. Meia dúzia de linhas que tão simplesmente iriam falar do tal amor e da tal paixão (aqui, arrisquei...) poderiam muito bem sacudir um coraçãozinho em banho-maria!
Introduzir o anexo no envelope é que não iria ser fácil… E não foi! Mas ele lá seguiu por terra e por ar, rumo à pequena aldeia e não se perdeu.
Dois meses passados, o R…, em passo acelerado, aproximou-se de mim. Agora, quase segredando e com um sorriso a transbordar malícia atrevidota, disse-me:
«Eh pá…, lá a minha M tá a ficar muito atiradiça!... Ih, ih, ih…».
Deixando-me especado e meio incrédulo a olhar para ele, correu atrás dos amigos, rumo ao Topete, onde, com alegria incontida, iria certamente refrescar-se com algumas nocais! Ao vê-lo afastar-se, pensei, como penso ainda hoje: «Pois… ele há cada coincidência!».
Em Dezembro de 1980, teve a persistência de encontrar a minha morada e brindou-me com um bonito postal de Boas Festas. Ao abri-lo, ouço, vindo do interior, uma música alusiva ao Natal (ainda toca). Continha uma mensagem tão simples e sincera como ele!
Era assinada pelo R… e pela sua M…

A. CASAL FONSECA
(na foto) Marrazes - Leiria
- COLABORAÇÃO. O blogue está aberto à colaboração de quem, por bem, aqui entenda vir falar do Quitexe e dos batalhões militares que lá serviram - e em toda a sua de acção operacional. Basta que a enviem para o endereço c.viegas@mail.telepac.pt. Viva o Quitexe!!!

A primeira operação millitar, lá para os lados de Camabatela

Restaurante Pacheco em 2009 (Foto de Franklim). Era,
em 1974 uma das boas casas do Quitexe
O PELREC, aqui com o Alferes Garcia (o primeiro, do lado direito,
em cima) e os furriéis Neto (primeiro da direita, em baixo) e Viegas (sexto,
em cima, a contar da esquerda). Clique na foto, para a ampliar


A 20 de Junho de 1974, o Batalhão de Cavalaria 8423 teve a sua primeira operação em terras do Uíge, virada para as chamadas centrais do Negage e do Mungage - cabendo-nos esta na «rifa», considerada perigosíssima. A operação era a nível do Sector do Uíge, envolvendo o nosso batalhão e outros, ainda com o BCAC 4211 no Quitexe, mas sem intervir.
Quem também interveio nessa operação chamada Colibri 310, e socorro-me aqui do livro «História da Unidade», foi a 41ª. Companhia de Comandos e os Flechas de Carmona. Um soldado «comando» pisou uma mina anti-pessoal para os lados do Negage, ficou sem um pé (amputado) e a 41ª. Companhia abandonou a operação ao fim de 18 horas.
O PELREC, nesta estreia operacional, evoluiu sob o comando do Alferes Garcia e por zonas de mata densa e plantações de café, palmilhando trilhos que adivinhávamos traiçoeiros e pisávamos com mil cuidados. Também por uma ou outra picadas e com passagens à vista de tabancas e lavras que nos diziam ser de guerrilheiros. Fomos largados a uns 80 quilómetros do Quitexe, na estrada para Camabatela - numa fazenda onde voltaríamos meses mais tarde, para intervir numa rebelião dos negros contratados para a campanha do café.
Não tivemos qualquer contacto com o dito «inimigo».
Saímos às 4 horas da madrugada do dia 20 e voltámos ao Quitexe ao fim da tarde do dia 21 de Junho. Cansados e sujos, de pele ensopada de suor e pó, fardas mal ataviadas mas com evidente sensação de alívio! Tínhamos passado ilesos do primeiro contacto vivo com iminente situação de combate! E não houve, não se ouviu um "ai de medo" de ninguém do pelotão! Sentimo-nos muito encorajados!
Um outro grupo do BCAV foi emboscado no Tabi, mas rapidamente foi embora o «inimigo», depois de uns tiros de aviso! E no «quartel» de Aldeia foi capturado um velho negro que, depois de ouvido no Quitexe, foi "devolvido" à mata!
É desse dia 21 de Junho a minha «estreia» a comer camarão! Nunca tinha comido, acreditem! O mais parecido, tinham sido cabras, que eram trazidas do mar da Barra e Costa Nova pelos chamados "sardinheiros» que por aqui vendiam peixe de porta em porta! E em minha casa não havia luxos para mais. Fomos jantar, eu e o Neto, ao Pacheco, depois de um banho de largos minutos, nos chuveiros da casa dos furriéis! E tão bem nos soube aquela água mole do clima, a molhar-nos o corpo por inteiro!!
- PACHECO. Restaurante do Quitexe, na foto. Ficava mesmo em frente à Casa dos Furriéis, que ficava entre o comando da CCS e a messe de oficiais, na avenida (rua de baixo).

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Juramento de bandeira de há 36 anos recordada no Quitexe

Desfile de um juramento de bandeira na Escola Prática de Cavalaria

A 10 de Junho de 1974 já andávamos há uns dias pelo Quitexe mas a soberania militar da zona de acção era ainda do Batalhão de Caçadores 4211, que nós fomos substituir. Fazia um ano, exactamente, que eu jurara bandeira, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém! Bem me lembro que me lembrei disso!
O juramento de bandeira é um dia muito especial e, por mim, vivi-o muito emocionado. Fui dos raros instruendos que lá não tinha família a assistir, mas não foi por isso, ou pelo garboso desfile nas ruas da cidade, por aquele nervosinho que sempre nos constrange, ou pelo friozinho que nos sobe a espinha. Não foi por isso que me emocionei. O que realmente me deixou impressionado foi a cerimónia de entrega de medalhas de guerra a pais e viúvas de militares mortos na guerra ultramarina. Não me recordo quantos foram, mas o que me sensibilizou em particular foi a mão que uma viúva, muito jovem, dava a um filho de três ou quatro anos, vestido de de fatinho e gravata - orfão do pai que morrera «ao serviço da pátria» - no momento em que recebeu a medalha. E o desmaio do meu companheiro do lado, na formatura - ido abaixo pelo sol a pique que nos caía sobre a cabeça!
Hoje, ao ver na televisão o 10 de Junho que se comemorou em Santarém, ocorreram-me estas memórias. Há 36 anos, estava eu numa formatura muito parecida como a que, hoje, fez guarda de honra ao Presidente Cavaco Silva. As circunstâncias é que eram outras! Mais parecidas com as da foto.

- FOTO. A foto é meramente indicativa, embora de um juramento de bandeira da Escola Prática de Cavalaria, tirada DAQUI. O aspecto do nosso desfile não teria sido muito diferente - este é do quarto turno de 1973, eu frequentei o segundo. Depois, marchei para Lamego.