segunda-feira, 21 de março de 2011

A mulher que pediu ajuda aos Cavaleiros do Norte

A foto mostra-nos a Avenida Portugal, em Carmona - uma das principais. E vem aqui a propósito do sinaleiro e do jeep que se vêem. Mais ou menos neste local, nos dias dramáticos de Junho de 1975, uma mulher pediu apoio à Berliet que passava e recolhia civis, levando-os dos perigos da cidade que se metralhava e bombardeava, para a segurança que lhes dava a parada do BC12.
Ia na Berliet um grupo de militares do PELREC e a missão era essa: recolher civis que pedissem protecção. Assim fazíamos, ajudando-os até a subir e a carregar alguma mala ou saco que trouxessem.
Ali, ao final de uma manhã metralhada pela fúria de fnla´s e mpla´s, fúria que não respeitava civil de militar, uma mulher, branca e com três ou quatro crianças na roda da saia, pediu protecção à tropa. Pois assim seria.
Estranhamente, o sempre solícito e generoso Marcos reagiu, negando-se a apoiá-la. Foram momentos menos bons. «Mas  que se passa, Marcos?", perguntei eu, empoleirado na Berliet.
«Esta, não!...», respondeu-me ele, a manear a cabeça e a bater com as botas no passeio, enquanto passava a faca de mato na coxa direita do camuflado e na mão esquerda segurava a G3.
Aquilo deixou-me intrigado e violento.
O Marcos não era rapaz de evitar uma ajuda, de recusar uma mão, de dar um pé atrás ao perigo. Que mosca lhe mordera? "Ajude a mulher, pá!... Ó Francisco, ajude também, pá...», gritei eu, de teimoso e exigente.
As rajadas e o estiouro de morteiros continuavam a ouvir-se de longe, fazendo eco pela avenida, e o Marcos ajudou, encavalitou as crianças na caixa da Berliet, ajudou a mulher a subir e ela lá se juntou, com as crianças, aos outros civis que já levávamos.
No BC12, veio o Marcos à fala comigo: «O furriel foi injusto!..., não me devia ter obrigado», acusou-me.
«Porquê?!», perguntei eu.
«Aquela gaja ainda há dias nos insultou naquele sítio, mesmo naquele sítio...», lembrou-me o Marcos.
Justamente naquele mesmo passeio, na verdade, ia eu, ele e o António, de PM e no jeep conduzido pelo Breda,  quando parámos à ordem do sinaleiro. A civil encharcou-nos de nomes e cuspiu para o chão, endemonizou-nos. Já na altura, o Marcos - que era rapaz de baixa estatura mas de coragem enorme - quisera reagir às ofensas. Não o fez.
Agora, ter de a ajudar, ter de «salvá-la», era demais.
Soube que, dias depois e na parada do BC12, o Marcos pediu satisfações à mulher. E que a perdoou.
- MARCOS. João Manuel Lopes Marcos, soldado atirador. Reside no Pêgo (Abrantes).
- FRANCISCO. Vitor José Ferreira Francisco, soldado atirador de cavalaria. Reside na Marinha Grande.
- ANTÓNIO. Francisco Fernando Maria António, soldado atirador de cavalaria.  Residente em Mação.
- BREDA. Joaquim Rama Breda, 1º. cabo condutor, de Leiria.

1 comentário:

Tomás disse...

Nesses dias já longíncos, tambem eu alinhei. Eu que não era operacional, fui chamado mais alguns colegas, desculpem não me lembrar dos nomes, para salvar algumas pessoas nos prédios da rua onde estavam os CTT. A íra dos movimentos era assustadora, principalmente nos três primeiros dias do mês de junho. Lembro-me de entrar num prédio de G3 na mão e na outra pegar numa mala e chegar á rua e ser entrepelado por um militar da FNLA. (Onde vocés vaum), não é da tua conta, não tens nada a ver com isso. E com um ar ameaçador e com uma coragem vinda não sei de onde chegamos à rua subimos para a viatura, creio ter sido uma "Berliet" e arrancamos a toda a velocidade debaixo de fogo rumo ao BC12. E assim se juntaram mais uns quantos refugiados para o grupo dos esfomeados que conseguiram encontrar no BC12 o seu refugio