quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Documento dos Nove assinado em Luanda

Os SUV em conferência de imprensa, a 6 de Outubro de 1975

O Documento dos Nove foi publicado no Jornal Novo a 7 de Agosto de 1975 e chegou-me às mãos duas semanas depois, enviado pelo Alberto Ferreira - já regressado a Portugal. Era, no fundo, um  manifesto de um grupo de militares (nove, daí o nome) contra a  corrente política que, ao tempo, levedava em Porugal e da qual nós, lá por Angola, muito pouco sabíamos.
O autor foi principalmente Melo Antunes mas também foi assinado por Vasco Lourenço, Sousa e Castro, Vítor Alves, Pezarat Correia, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves e Vítor Crespo. Os nomes poucos nos diziam, à excepção do do próprio Melo Antunes, que, jornadeávamos nós por Carmona (Uíge), se deslocara a Luanda (ido de Lisboa) e proferira afirmações que fragilizaram (e bastante) a posição militar dos Cavaleiros do Norte.
Afirmações que desagradaram aos responsáveis da FNLA, que eram a força maioritária da província do Uíge. E que sustos apanhámos nós, por isso. E que ameaças tivemos, os Cavaleiros do Norte.
Tinha passado os olhos pelo manifesto publicado no Jornal Novo, em Lisboa, quando o recebi (enviado pelo Ferreira) mas desistira da leitura - por, pela minha medida daquele tempo, ser muito extenso e pesado. Mas fui lê-lo, quando se soube que, na Unidade, circulava um abaixo-assinado, justamento do Documento dos Nove. Associei a leitura às informações do Ferreira: expectro de guerra civil em Portugal, manifesfações atrás de manifestações, anarquia, forças armadas divididas e incapazes de manter a ordem pública, a criação dos SUV (uma organização de classe no interior das FA) e boatos atrás de boatos sobre golpes e contra-golpes. «Isto está insuportável, nõa se sabe o que vai acontecer...», dizia-me o (ex-cabo especialista da Força Aérea), em carta de 16 de Agosto de 1975, que acabei de reler.
O clima de insegurança desestabilizava toda a sociedade civil e os militares, divididos e quiça excessivamenet politizados,  manifestavam-se incapazes de assimilar as contradições de um pais que se fazia de novo.

O Documento dos Nove rejeitava «o modelo de sociedade socialista tipo europeu-oriental" e também a sociedade social-democrata, de alguns países da Europa Ocidental. Propunha, antes, um modelo socialista estreitamente ligado à democracia política. Linguagem que, na verdade, era excessivamente densa e impercebível ao nosso conhecimento. Estou em crer que toda a guarnição o assinou.
O Documento dos Nove pode ser relido AQUI.
- SUV. Soldados Unidos Vencerão, organização de classe, dentro das Forças Armadas, em 1975. Apresentaram-se encapuzados, em conferência de imprensa (foto). Ver AQUI
- FERREIRA. Alberto Fernando Dias Ferreira, cabo especialista da Força Aérea, em Luanda. Na altura, já na disponibilidade. Natural de Fermentelos (Águeda), já falecido,

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O último comissário português de Angola



O almirante Leonel Cardoso no discurso da Independência de Angola


O almirante Leonel Cardoso foi nomeado líder da Junta Militar que assegurou a governação de Angola, a 25 de Agosto de 1975, em substituição do general Silva Cardoso. Chegou a Angola a 30 - faz hoje 36 anos. Assumiu o cargo de Alto Comissário, neste dia e viria a ser ele a fazer o discurso da independência, da parte portuguesa (foto).
Scorro-me do Centro de Documentação 25 de Abril, para lembrar que, por esse tempo de Agosto, «recrudescia a guerra civil em Angola» e que «a FNLA e a UNITA se uniram em diversas zonas do território». Por outro lado, «intensificou-se o retorno de nacionais vindos de Angola» - o dos portugueses que voltava à Europa. Há quem diga que foram 500 000 e, ainda segundo o CD25A, eram «cerca de 700 os retornados» que chegavam diariamente a Portugal, «através da ponte aérea estabelecida com Nova Lisboa». Vários países europeus e os EUA auxiliaram Portugal na organização desta ponte aérea e eu mesmo pude testemunhar, no aeroporto de Luanda, a situação dramática de milhares de populares que por lá faziam espera de «boleia» para Lisboa. Por lá andei, de resto e por mais de uma vez, a procurar familiares e conterrâneos de quem se ignorava o paradeiro.
A guarnição dos Cavaleiros do Norte riscava dias no calendário do regresso.Já decidido que a CCS viajaria a 8 de Setembro, voaram os companheiros de Zalala, Aldeia Viçosa e Santa Isabel nos dias seguintes. E todos nós tínhamos a noção do dever cumprido. Isto muito embora, como se lê no Livro da Unidade,tal objectivo nem sempre tenha sido «fácil de cumprir».

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O navio «Niassa« e o jeep do Machado...

Porto de Luanda e o navio «Niassa»

O capitão Oliveira tinha aquela «graça» de «simpatizar» comigo e com o Neto e destacou-nos para, com outros (o 1º. sargento Luzia foi quem nos foi «abrir» a porta ) irmos ao navio «Niassa» (foto), que estava estacionado no porto de Luanda, fazer a distribuição do pessoal que, do BCAV. 8423, partiria de Luanda para Lisboa, a 8 de Setembro de 1975.
E lá fomos! Foi nos últimos dias de Agostoe não gostámos muito do barco! Mas tinha de ser e, com alguém do «Niassa» (não me lembro bem como), ainda por lá andámos as ver porões e camaratas, cheios de papéis e de nomes na mão, para desarriscar do rol. Felizmente, a coisa deu para virmos de avião e, quando o soubemos, só não pusemos foguetes por não os termos. Entre 8/9 horas de avião e 9/10 dias de barco, não era preciso vir o diabo escolher.
Quem por nós decidira, decidira muito bem!
O Machado (que ontem fez 59 aninhos, festejados na sua casa do Gerez) também por lá esteve connosco numa das idas e, nessa, guiava um jeep militar. Decidimos ir almoçar para a Mutamba e metemos-nos ao trânsito da cidade. Que não era tão fluído assim e nos «enrascou». Melhor dizendo, «enrascou» o Machado - que se viu em palpos de aranha para fazer uma manobra, por falta de «bracagem» da viatura. Íamos fardados e fomos brindados com uma monumental assobiadela e um rol de nomes bem pouco simpáticos. A comunidade civil andava revoltada com a tropa portuguesa, não poupava quem visse de farda e insultava. Foram assim muitos dos nossos últimos dias de Angola, em Agosto e até 8 de Setembro de 1975.

domingo, 28 de agosto de 2011

Meses de Agosto(s) e os seus gostos...


Centro de Saúde (hospital) do Quitexe, em 2011 (em cima) e picada para Zalala (anos 70)
As semanas de Agosto de 1974, há 37 anos, foram de requalificação da rede estradal da zona de acção do BCAV. 8423. Já aqui falámos da itinerário de Zalala, mas no dia 26 começaram os trabalhos do acesso para a Fazenda do Liberato (na foto, de José Patriarca) e continuaram as da chamada estrada do café, em asfalto, entre Vista Alegre e Ponte do Dange. 
Ao Liberato, foi o comandante Almeida e Brito, em visita de trabalho à CCAÇ. 209, a 22 de Agosto. No mesmo dia, o mesmo fez à 2ª. CCAV. 8423, a de Aldeia Viçosa - comandada pelo capitão miliciano José Manuel Cruz. A 8, estivera em Zalala, na 1ª. CCAV. 8423, liderada pelo capitão miliciano Davide Castro Dias.
Por mim, estava en vésperas de férias - que me iriam levar em passeio por boa parte do território angolano - de Carmona a Luanda, Gabela, Nova Lisboa, Alto Hama,.Caala (Roberto Wiliams), Lobito, Benguela, Silva Porto, Moçâmedes e Sá da Bandeira, Novo Redondo e de novo Luanda. 
Um ano depois, já com muitas incidências passadas, fazíamos espera para o regresso a Lisboa, instalados no Campo Militar do Grafanil. E eu por lá cirandei (em Luanda), como todos os Cavaleiros do Norte, melhor conhecendo a cidade, da alta à baixa, à beleza da baía e da ilha, pela restinga; ou ao Mussúlo, aos bares da noite. Era o tempo de aventuras, esventrando-lhe os ninhos de festa e de prazer - já que éramos jovens de 22 para 23 anos, todos ávidos de vida e de alguma luxúria. Porque não dizê-lo?!

sábado, 27 de agosto de 2011

Os medos do Verão de 1975 em Luanda

Entrada do Campo Militar do Grafanil (foto de Jorge Oliveira)


Os últimos dias do Grafanil, campo militar nos arredores de Luanda, foram tudo menos normais. A guarnição dos Cavaleiros do Norte, a dias da data do regresso a Lisboa, fazia pela vida, sem actividade operacional mas todos os dias dando de cara com incidentes que iam roubando a tranquilidade de quem, indo no 15º. mês de comissão, o mais que queria era que chegasse o dia 8 de Setembro.
As comissões tinha sido reduzidas para este tempo, tendo em conta «as necessidades de responder aos compromissos tomados com os movimentos de libertação, no referente aos efectivos militares a estacionar em Angola», como se lê no Livro da Unidade. Por mim, fora dos compromissos que tinha de concretizar no BCAV. 8423, nas instalações do então já deslocado Batalhão de Intendência de Angola, no Grafanil, cirandava pela cidade de Luanda, essencialmente visitando conterrâneos que por ali se interrogavam quanto ao futuro próximo, entre a dúvida de ficar ou voltar para o «puto». 
O pequeno Daihatsu da FRAL (do Neto) era o transporte privilegiado e desses dias recordo uma azelhice automobilística minha, quando, ao volante do «mini», me aventurei na baixa da cidade e entrei em sentido proibido na rua da Portugália. Imaginem o «susto» do jovem furriel, encartado fazia poucos meses (de Carmona), quando se viu com todos os carros a «andarem ao contrário» e com o sinaleiro a apitar, a apitar... Que vergonha! E que medo!!! 
Ou, bem mais dramático, quando, no bairro de S. Paulo, fui interpelado por uma patrulha de independentistas, armados até aos dentes e que teimosamente não me queriam deixar passar, em pleno dia. Não foi fácil! Foi problemático. Tive medo!!!!
Notícias de Lisboa, via rádio, davam conta das labaredas revolucionárias que atropelavam a então chamada metrópole.
A 27 de Agosto (hoje se completam 36 anos), a Frente de Unidade Revolucionária (FUR), um dos muitos movimentos/partidos nascidos da revolução, promoveu, junto ao Palácio de Belém, uma grande manifestação de apoio a Vasco Gonçalves e a Costa Gomes. Ambos receberam os manifestantes com discursos mais uma vez com notórias diferenças de tom e de conteúdo. O Alberto Ferreira, cabo especialista da Força Aérea, já regressado a Águeda, dava-me conta do clima de pré-guerra civil que se vivia em Portugal. Era o verão Quente de 1975!




sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O Quitexe de hoje e a Luanda de 1975


Administração Civil do Quitexe e o antigo restaurante Pacheco (em baixo), o Quitexe de Agosto de 2011



O Quitexe de hoje não será muito diferente do do nosso tempo. Mantém-se a maioria dos edifícios que por lá conhecemos, em estados de conservação diferentes. 
A foto de baixo mostra-nos o que nos parece ser o antigo restaurante Pacheco (onde tantas vezes saboreámos boa cerveja, fresquinha e com pires de camarões a acompanhar). Ficava mesmo em frente à secrearia da CCS. A de cima, é o edifício da administração civil (assim se chamava no nosso tempo), no jardim público.
Agosto de 1975, por estes dias, já eram de preparação do adeus a Luanda e a Angola, preparando-se a viagem no «Niassa». Acabaríamos por viajar de avião, mas ainda chegámos a ver e visitar o navio no porto de Luanda - onde o capitão Oliveira nos mandou para marcarmos a acomodação dos praças. A 25, foi criada uma Junta Militar para assegurar a governação em Angola. A 30, o almirante Leonel Cardoso tomou posse do cargo de alto-comissário de Angola.
Por estes dias de 1975, no Grafanil, recebi correio de Portugal de minha mãe, pedindo notícias de um casal conterrâneo. Ver AQUI. Assim corriam os nossos dias da capital, fazendo tempo para o regresso, por entre incidentes que enxameavam a cidade e o futuro país. 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O furriel Cruz já tem 60 anos!!! Sexagenário, pá!!!

Viegas e Cruz, de 1974 (em baixo) até 2011 (em cima)

O Cruz era o furriel mais velho da CCS, rádio-montador, e chegou a 2º. sargento miliciano. Foi meu companheiro de férias pelo chão angolano e, bebida a água do Bengo, ficámos amigos para a vida.  Por Lisboa, pelo Algarve e por Águeda nos temos encontrado muitos anos nesta vida que nos trouxe até hoje. As famílias ficaram amigas. São amigas. É daquelas amizades que se fazem na tropa e ficam para a eternidade.
A minha última ida à capital do antigo império «levou-me», inevitavelmente, ao contacto com o Cruz, com a grata coincidência de tal acontecer pelo dia dos seus (dele) 60 anos de vida! Eh pá, 60 anos!!!! Sexagenário!!!! Ou sexIgenário (com i...), para caricaturar este novo estádio de uma vida, que o (nos) levou à tal jornada africana que nos fez irmãos.
As horas foram curtas para tanta memória de Angola, deixando as nossas caras-metades perdidas para trás nas ruas da capital, da Portugália das Docas ou da Expo 98, o agora Parque das Nações.
Os 37 anos que separam as duas fotos mostram, também, o que mudou e não mudou nos dois então jovens furriéis: ambos mais fortes e pesados!! E mais velhos!!!! O bigodaço do Cruz mantém-se mas mais farto e abrancalhado. Como o cabelo. Eu, já de lábio superior desnudado - que só por aquele tempo «usei» tal aumentativo capilar. Mas de iguais gargalhada, à piada mais singular ou à memória mais remota de alguma historieca das nossas vidas militares de 1974 e 1975.
Ó Cruz, estamos velhos, pá!!!! Nenhum de nós se lembraria, há 37 anos, que nos encontraríamos no jantar dos teus 60!!! Vê lá tu como é a ida!!! E como foi bom termos sido Cavaleiros do Norte!
Ver AQUI

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Quitexe nos dias de hoje...

Igreja (em cima) e Casa da Polícia do Quitexe (em baixo).
Fotos de Agosto de 2011, de Cecília Miguel. Clicar nas imagens, para as ampliar


Há notícia frescas do Quitexe, em forma de imagem. A gentileza é de Cecília Miguel, quadro da Mota-Engil, a trabalhar em Angola. Em cima, vê-se a Igreja do Quitexe, onde, no nosso tempo (1974/75) sacerdotou o padre Albino Capela. Em baixo a rua da enfermaria (que era casa azul, do lado esquerdo, encostada á casa de Alfredo Rei) e, em frente, também de azul, a actual Casa da Polícia Nacional de Angola. No nosso tempo de Cavaleiros do Norte, era a residência do comandante Almeida e Brito.
Identificando melhor o local, recordamos que para a direita (agora com uma placa de sentido obrigatório) começava a avenida, de duas pistas, com um separador ajardinado. A seguir e para  lado esquerdo da agora Casa da Polícia Nacional (direito, na foto), ficava a messe de sargentos e a  padaria, a messe de oficiais (com o bar dos soldados em frente, do outro lado da avenida), a casa dos furriéis, a secretaria e comando da CCS e, mais à frente, depois da rua para a capela, o edifício do comando do BCVAV. 8423, a parada, as oficinas, as casernas... Isto, portanto, do lado direito da foto de cima - a da capela.
Quantas vezes, nos dias e nas noites de luar de Angola, por ali passeámos saudades, conversámos futuros e discutimos a actualidade de então, somando dias ao calendário que nos separava do regresso a Portugal. Hoje, deixamos aqui esta amostra do Quitexe de hoje. Com saudosismo e paixão.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A troca de escudos angolanos...

Nota de 1000$00 de Angola (1000 angolares). Nota-se a imagem do Almirante Américo Tomaz, Presidente da República a 25 de Abril de 1974

Os últimos meses da Angola de administração portuguesa foram de florescente crescimento do mercado negro cambial. Os escudos angolanos (os angolares) não tinham cotação em Lisboa e quem tinha deste dinheiro (os residentes angolanos) procurava trocá-lo na baixa de Luanda, normalmente com militares: uns em câmbio directo; outros, dando angolares em Luanda, para receberem escudos em Portugal.
As transacções chegavam a atingir números verdaeoraete astronómicos: um angolar podia «valer» três, quatro, cinco, dez, cem vezes mais. Era câmbio directo.
Arranjar escudos de Portugal era, na realidade, absolutamente, vital para muita gente. E quem os tinham eram os militares. E eram os civis a quererem «comprar» o dinheiro, não se importando de dar o que lhes fosse pedido. Ou importanto, mas sem isso lhes valer alguma coisa. Na verdade, mais valia ter um conto de reis (mil escudos) em moeda do Banco de Portugal que um milhão em notas do Banco de Angola - os tais angolares.
Algumas vezes resisti à tentação de «negociar» esse dinheiro e, pelo menos por uma, tive sério inconveniente com um civil - que, perto da Portugália, a todo custo queria trocar dinheiro. Chegou a esboçar uma agressão, à mistura com o chamamento de nomes que não honrariam minha mãe e mulher (se a tivesse). Compreende-se: era o desespero de quem se sentiam abandonado e procurava trazer no bolso alguma da riqueza que por lá teria feito. As notas do Banco de Portugal eram a sua melhor bagagem.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A indústria dos caixotes dos retornados...

Bichas para compra de bilhetes de avião e...

...caixotes com bens dos (chamados) retornados

Os últimos dias de Agosto de 1975, em Luanda, à mistura com os permanentes incidentes da cidade, foram convividos com uma florececente indústria: a de construção de caixotes. Os caixotes em que a comunidade europeia foi arrecadando tanto quanto podia, para mandar para a (chamada) metrópole.
Qualquer canto e qualquer esquina serviam para, o melhor que podiam, os cidadãos fabricarem os ditos caixotes e neles colocarem bens não perecíveis: mobílias, roupas, máquinas, eu sei lá..., tanta coisa. Até motorizadas, moto-serras e sei mesmo de um caso, meio caricato, do envio de uma...urna. Exactamente, um caixão funerário.
O êxodo das populações civis, nomeadamente as europeias, assumiu pelo mês de Agosto de 1975 adentro, dimensões enormes e o aeroporto de Luanda era «acampamento» permanente de milhares de pessoas à espera de uma «boleia» para Lisboa. Carregavam malas, caixas, caixotes e embrulhos de toda a forma, o mais que podiam. Eram principalmente mulheres e crianças. Os homens, julgo saber, não abandonavam seus bens imóveis e procuravam mandar a família para a Europa. Em segurança. Ou para o Brasil, soube depois. Na cidade, faziam-se bichas intermináveis, nas agências de viagens, para se tentar comprar o bilhete para Lisboa.
Eram vulgares os assaltos a casas e de rua. Escasseava a alimentação. Luanda era pólvora permanente e nós, os Cavaleiros do Norte, com data de regresso a Lisboa marcado para 8 de Setembro, no navio «Niassa». Afinal, víríamos de avião.

domingo, 21 de agosto de 2011

O «sô» António Cabrita, do Quitexe a Cascais...


Cabrita e Viegas, em 1974 (Quitexe, em baixo) e Agosto de 2011 (baía de Cascais)


Há dias, reencontrei-me com o «sô» Cabrita. Estava eu ali a dois passos do habitual pouso dele, na baía de Cascais, passava pela hora do almoço e nada melhor que telefonar-lhe. Reconheceu-me logo, minutos depois já estávamos juntos e tagarelámos sobre o Quitexe e a tropa. Conversa fatal como o destino...
O «sô» Cabrita era, seguramente, o militar mais genuíno da guarnição dos Cavaleiros do Norte, no Quitexe. Sem especialidade, sem entrar nas escalas de serviço, sem se incomodar com cousa alguma, passeava-se pelo aquartelamento e pousava muitas vezes na casa dos furriéis, de quem era  uma espécie de impedido. Digo eu!!! Mas um «impedido» sempre desimpedido, sempre disponível para tudo.
A vida do Quitexe levou-me a ser o «escrevinhador» oficial do namoro que então fez com a (ainda hoje) mulher dele, em confidências que me tornavam escravo da minha palavra com ele. Eu tinha de ouvi-lo, desenhar no papel as letras da paixão que me descrevia e ser-lhe fiel e confessor. Depois, 20 anos depois, quis conhecer-me a mulher de Cabrita, como (AQUI) já descrevi. E tempo houve em que o «sô» Cabrita me procurou, através de um programa da SIC.
Agora, neste verão que corre de 2011, falámos e passeámos pela baixa de Cascais, narrando intimidades familiares e evocando os tempos saudosos de 1974 e 1975, quando jornadeámos, jovens e ambiciosos, por terras do Uíge angolano.
Esta bem de vida, o «sô» Cabrita, fazendo vésperas para a reforma e continuando pescador no mar de Cascais.
«Doem -me as pernas, já não me seguro bem no barco.., ando nisto há 40 anos anos, sô Viegas...», disse-me ele, explicando-me o desejo de antecipação da reforma.
Isto, é a pesca!!! Ser dono de uma barco, era, em 1974, a sua maior ambição. Dono e arrais. Para isso, precisava do exame da 4ª. classe. Por isso, andou nas aulas regimentais e lá o fez.
Aquilo é que eram tempos, «sô» Cabrita. E lembra-se das semanas de Luanda?. O «sô» Cabrita lembrava-se muito bem.
«Aquilo foi bravo!..., mas voltámos todos...», disse-ele, com o imperdível sotaque algarvio a cantarolar-lhe as palavras, rasgando o sorriso, quase de orelha a orelha, feliz, feliz, feliz..., mas sempre tímido e confiante. Era assim o «sô» Cabrita. É assim!
Ver AQUI.

sábado, 20 de agosto de 2011

Encontro dos Cavaleiros de Aldeia Viçosa

Soldado condutor José Nunes, organizador do Encontro 2011

A 2ª. Companhia de Cavalaria do BCAV. 8423 vai reunir a 24 de Setembro, em Leiria. Não vai falta entusiasmo e memória, para se continuar a fazer a história do grupo que, formado em Santa Margarida, foi a Angola, em 1974/85, participar num momemto histórico da nova pátria, por terras do Uíge.
O organizador é José Nunes (foto), que por lá foi condutor, e a concentração será pelas 10 horas, na fábrica de cimento SECIL, na Maceira (mesmo ao lado da cidade). O programa continuará e culminará com o almoço no restaurante O Casarão.
A 2ª. CCAV. era comandada pelo capitão miliciano José Manuel Romeira Pinto da Cruz. A guarnição incluía os alferes milicianos Machado, Periquito, Carvalho e Capela, o 1º. sargento Norte e os furriéis Cruz, Ferreira, Martins, Mourato, Matos e Brejo, Melo, Letras, Ramalho, Costa, Gomes, Guedes, Rebelo e Chitas. O grupo de praças era formado por cerca de uma centena (93) 1º.s cabos e soldados.
Os «cavaleiros» interessados em participar, poderã contactar o Nunes - através dos telefones 244 771 597 e 96 512 0114, ou ainda pelo email davidvitorino@live.com.pt.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Um boato e ameaças de processo judicial...

Viegas e Pires (de Bragança) nas escadas das traseiras da messe de Carmona 


Há dias, em Bragança, estive com o Pires - que goza a sua reforma e se privilegia com os ares transmontanos. Eu e ele (de barbas), somos os dois jovenzinhos da foto, que tem já mais de 36 anos e foi tirada nas escadas da messe de sargentos, em Carmona, no Bairro Montanha Pinto.
A tropa, inevitavelmente, foi o tema de dois dias de conversa - recordando-se situações e nomes da nossa jornada angolana, que passou pelo Quitexe, por Carmona e por Luanda.
A «histórica» saída à aldeia do Dambi Angola veio à baila (ver AQUI), assim como a conversa de pé de orelha (e bem pouco simpática) que eu tive com o comandante Almeida e Brito, que me pedia contas por, alegadamente, dele eu ter dito que seria preso quando a Lisboa viesse de férias. Por ele ser um oficial fascista.
Chamado por ele, ao seu gabinete do Quitexe, senti-me acossado e recorda-me o Pires que reagi com pouca simpatia para com Almeida e Brito: «Processo judicialmente seja contra quem for que me acuse de tal...», disse-lhe eu. Meio violento, determinado. imperativo, sem medo.
À distância de quase 37 anos (isto aconteceu nas vésperas do Natal de 1974), recordar uma singular situação como esta não deixa de nos fazer sorrir. Era a juventude e a irreverência a darem pé ao meu protesto, a uma injustiça que se fazia contra mim, pela mão de alguém que me seria pouco grato e me acusava de uma inverdade. Um boato!
Anos mais tarde, em Coimbra, onde foi 2º. Comandante da Região Militar Centro, falei ao então brigadeiro Almeida e Brito sobre a origem desta história. Mas ele sorriu-se, desviou a conversa para os lendários e dramáticos últimos dias de Carmona e... e vou morrer sem saber quem criou o boato. Mas lá que desconfio, desconfio!!! Ainda hoje.
Ver AQUI.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O furriel Teixeira das transmissões

Casal e furriel Teixeira, no Quitexe (1973)

ANTÓNO CASAL FONSECA
Texto

Andava aqui às voltas com as fotos do Quitexe e retive uma, por alguns minutos. Caramba, o “meu” furriel de transmissões a posar a meu lado?!

Além de ser, para mim, uma pessoa com características muito especiais, principalmente pelas razões que em tempos aqui descrevi, foi também a pessoa que um dia me surpreendeu ao dizer-me: «Sei que és meu amigo, portanto ouve-me se tiveres um bocadinho»! E eu ali fiquei, com todo o tempo do mundo, no papel de confessor, meio atrapalhado, assim… sem mais nem menos! E chorou! Chorou convulsivamente! A razão, não a posso nem devo aqui revelar, mas se me ler, e eu espero que sim, ele saberá bem do que falo. E bem melhor que eu!
Como ele sempre fez questão de frisar, sem a ninguém guardar segredo, era de uma família muito humilde, e por ela deixou o Seminário. Dizia-me que o que mais o amargurava era não poder estar junto dos irmãos, não tanto pela saudade mas pelas necessidades que lhes adivinhava. Sempre entendeu ser uma injustiça a sua mobilização, quando tinha tanta gente para cuidar. Pois tinha, «como tantos outros, milhares...», - fazia-lhe eu ver para lhe atenuar o desassossego!
As férias, pelas quais tanto ansiava, foram passadas no Quitexe, da maneira mais simples que se possa imaginar.
«Gostava de ir ao puto como alguns vão, mas não há taco!...”, disse-me mais uma vez com a voz embargada e os lábios a tremerem-lhe!
Pois…, ele bem queria, e até sei que precisava, mas não podia mesmo! As férias não passariam do Quitexe, tirando duas ou três deslocações a Carmona, mas sem se estender nos gastos. E era a retenção de gastos, uma das razões porque raramente tinha a companhia dos colegas furriéis, segundo me dizia com ar algo desgostoso! Muito desgostoso mesmo, mas camuflado (mal) pelo seu sorriso franco que o tornava, penso, mais vulnerável.
E era verdade, não precisava de mo dizer! Infelizmente!
A muito custo lá me pediu a máquina para tirar meia dúzia de fotos nas férias, mas fez questão de tirar esta comigo.
“É para um dia, quando eu morrer, te lembrares do teu furriel!...”, disse-me, com um sorriso amarelo e com ar de quem tinha dito a maior piada do dia! Mas não morreu, felizmente, e, tanto quanto sei, continua bem vivo e de boa saúde na casa que o viu nascer, em terras transmontanas!
Munido de máquina fotográfica, lá foi com um companheiro até Carmona, disposto a “arrasar”. «Vais ver pá!!!...». Mas começou mal!..., da pior forma possível! Com tantas mulheres jovens e bonitas na cidade, logo havia de deitar o olho a um borracho…casado!
«Tive azar pá…como é que eu sabia que era casada?..., não podia adivinhar…são todas iguais»!, desabafava ele, já no Quitexe, e inteiro de corpo porque fora salvo pelo Palma “candongueiro”, o guarda-costas do comandante!
«Qualquer manguelas, a milhas de distância, vê a pinta da fêmea…tá lá tudo escrito…ali!...», opinava de cigarro no canto da boca retorcida de tiques, o Martins do Cais do Sodré! Com esta do “tudo escrito” é que o furriel se baralhou! ~
«Se quiser umas explicações sobre mulheres venha ter comigo…mas paga bem…», insistia ele no seu discurso de presunçoso “matador”!
Não perdeu tempo, o furriel, a tentar decifrar o discurso demasiado gasto e, também por via disso mesmo, já despido de toda a graça!
Serenamente e num jeito educado que sempre lhe foi peculiar, lá foi cumprindo a sua obrigação, sem grandes alardes nem conquistas amorosas mas, ao contrário do Martins do Cais do Sodré, não viu posto em causa o seu regresso à então Metrópole! Pois é, um verdadeiro (g)aranhão não se deixa envolver na teia que tece!...
Agora, que tenho saudades do meu furriel Teixeira…lá isso tenho! É verdade!..., o que é que eu hei-de fazer?!
ANTÓNIO C. FONSECA







quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O 1º. sargento Fernando Norte, de Aldeia Viçosa


O 1º. sargento Norte secretariou a 2ª. CCAV., a de Aldeia Viçosa, «inteiramente dedicado ao seu serviço (...), de irrepreensível aprumo, disciplinado e sabendo exigir, sem que isso constituísse entrava a sempre estar pronto a compreender os seus subordinados», como de lê no louvor publicado na ordem de serviço 174.
Achou-me por Águeda, no anos 80, quando passou pela Escola Central de Sargentos (ou talvez já o Instituto Superior Militar), onde frequentou o curso de acesso a oficial.
Em 1994, esteve no 1º. Encontro do Batalhão (foto), em Águeda.
A sua última jornada angolana, como «precioso auxiliar do seu comandnate de companhia», justificou um louvor, que destaca uma dedicação que «não olhou a esforços», nela colocando «elevado sentido de responsabilidade», facto que «rapidamente o creditou como sério e leal colaborador».
O louvor do Comando Territorial de Carmona, por proposta do comandante Almeida e Brito, sublinha ainda «a firmeza e interesse pela função militar, educação, correcção e prontidão» para «cumprir qualquer missão que lhe fosse exigida».

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Carta de um artilheiro de 75 anos aos Cavaleiros do Norte


Caros Camaradas
Cavaleiros do Norte:



O signatário deste comentário foi, no período de 1965/67, furriel do QP de Artilharia e, posteriormente, 2º. sargento, fazendo parte do QO da CART. 785, do BART. 786, que inicialmente foi colocada na Fazenda Liberato, depois em Santa Isabel e, na parte final da comissão, novamente no Liberato.
A nossa comissão no Sub-Sector do Quitexe, Sector de Carmona, foi uma duríssima provação de dois anos de operações intensivas, em que éramos utilizados por todas as cadeias de Comando, pois tínhamos que fazer serviços operacionais desde o escalão Companhia, passando pelas do Batalhão, do Sector e até ao nível das da RMA.
Éramos um "pau para toda o obra" e não nos pouparam em nada. Para fazerem uma ideia do real panorama que tínhamos pela frente, basta dizer-vos que, em muitos meses do ano, muitas, mas muitas vezes mesmo, papávamos 21 rações de combate, tipo EE, reforçando este quadro, ainda recordo o discurso feito na Unidade de Mobilização, pelo n/ 2º. Comandante, no fim da comissão:
"O nosso Batalhão, nos seus dois anos de missão, realizou trabalhos que um só homem levaria, sem parar, 44 anos a realizar".
Ao ler alguns "posts" do v/ blogue, reavivaram-se todas as imagens que, desde aquele tempo, me ficaram gravadas na memória e que estavam em stand by. Memórias de uma vida dura, cheia de riscos, em que palmilhámos difíceis itinerários com destino a diversas serras: Vamba, Quitoque, Pingano, Uíge e Quivinda e ainda os vales do Luége, Vamba, Loge, Dange, Sanda, etc., etc.!..., que configuravam o nosso calvário.
Mas, por incrível que pareça, há um estranho sentimento de saudade desse temmpo, não das circunstâncias em que se vivia e viveu, mas da camaradagem, espírito de corpo e amizades que se cimentaram e mantêm até hoje e que, ainda hoje, fazem com que os elementos dessa força expedicionária se reúnam em convívios anuais regulares.
Hoje, sou Sargento Ajudante de Artilharia, aposentado, já com os meus quase 75 anos, doente coronário (fiz um bypass em 1989), diabético insulino-dependente, mas espero ainda este ano ir encontrar-me, pela primeira vez, com os meus camaradas dessa memorável expedição a Angola e ao Quitexe.
Sem mais, os meus cumprimentos para o blogmaster e colaboradores dos Cavaleiros do Norte, assim como para todos os elementos do vosso BCAV., do camarada,
OCTÁVIO BOTELHO
(na foto)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Fumar e desenfiar, em horas nocturnas e de serviço...

Aeroporto de Carmona (foto de Jorge Oliveira)


Rodolfo Tomás
Texto

O aeroporto de Carmona foi local de uma experiência pessoal que eu diria quase única. Só conto agora, porque só a esta distância no tempo (36 anos), tenho finalmente a noção do perigo e da temeridade cometida.
Fui destacado, com outros colegas, para fazer segurança noturna ao aeroporto de Carmona. Nesse tempo fumava(!), e não é que eu andei a passear pela pista e a fumar descontradidamente, com os projectores apontados à pista? Fui, sem dúvida, um alvo fácil mas felizmente sem consequências.
Isto faz-me meditar sobre quantos de nós não cometeu erros de "palmatória", ao longo do serviço militar - ou nas nossas vidas. Apesar de tudo tivemos muita sorte, com erros flagrantes e imperdoáveis.
Angola, faz-me recordar caçadas nocturnas, que tanto nos enstusiasmavam. E passeios de mota até Carmona, de noite e desenfiados, sem ninguem saber!...
Felizmente, ainda está muita gente por cá para contar em primeira mão como fizeram tais aventuras.
Saudades... Éramos mais novos. Mas estas coisas não esquecem, vivem na nossa memória.
RODOLFO TOMAZ

domingo, 14 de agosto de 2011

Picadas, estradas e segurança dos centros urbanos


Agosto de 1974 foi tempo, na área do Quitexe, para «arranjos da rede estradal», a cargo da JAEA, com protecção de escoltas da tropa portuguesa. O itinerário para Zalala - a infernal picada desta fazenda, onde se quartelava a 1ª. CCAV. 8423 - foi concluído a 23. Era uma tarefa sumultâneamente folgada e perigosa.
Folgada, porque, na prática, era um dia de descanso para a tropa. Perigosa, porque a vigilância obrigava a cuidados permanentes, não fosse o IN espreitar e disparar, a... matar. Nunca nada de especial aconteceu, felizmente.
A 14 de Agosto,  e porque «foi noticiada a intenção de recrudesciento de actividade» do IN (leio no Livro da Unidade), «fizeram-se remodelações temporárias, com vista a garantir a eficiência das actuais missões prioritárias das NT» - que vinham a ser «a segurança dos centros urbanos e a liberdade dos itinerários».
A 26, começou-se o arranjo da picada para o Liberato e, por este tempo, iam continuando os arranjos do troço asfaltado de Vista Alegre a Ponte do Dange, na chamada estrada do café - que ligava Carmona a Luanda.
Um ano depois (1975), em Luanda, somavam-se as véspera do regresso a Portugal.
Os Cavaleiros do Norte aquartelavam-se nas anteriores instalações do Batalhão de Intendência de Angola, no Campo Militar do Grafanil, e iam fazendo pela vida. Que não se punha fácil! O BCAV. 8423 era uma espécie de «anjo mau» das Forças Armadas Portuguesas - já o último com educação militar pré-25 de Abril e obrigado (sem quaisquer constrangimentos) aos deveres da disciplina e da honra militares. Que, nalguns momentos, tão úteis nos foram.
- JAEA. Junta Autónoma de Estradas de Angola.
- IN- Inimigo.
- NT- Nossas Tropas.


sábado, 13 de agosto de 2011

Os auto-bancos de Angola...


Amigo e conterrâneo meu, em Luanda - de quem tenho esquecido falar... - era também o Santiago dos Reis, por lá gerente bancário e corredor de automóveis. Nomeadamente, em ralis do BCA.
Por duas ou três vezes o tinha procurado, sem que a sorte me ajudasse, até que lhe tomei o gosto, em Agosto, quando finalmente localizei numa das duas agências bancárias que dirigia, creio que na Vila Alice.
Ao tempo, novidade aos meus olhos, para mim e para (quase) todos portugueses europeus, era o auto-banco. Havia um na baixa, na marginal (creio que na zona frontal ao Pólo Norte), que me despertava curiosidade: os automóveis paravam, os condutores depositavam papéis (assim me parecia) e lá iam à vida deles. Explicou-me Santiago dos Reis o funcionamento do tal de auto-banco: uma grande novidade, que acelerava e simplicava operações operações. Até para levantar dinheiro. Era coisa extraordinária! Havia mais na cidade (como este da foto, creio que na Maianga) e muito utilizados.
Portugal europeu, ao tempo, não teria este tipo de serviços. Ou pelo menos na província. Recordo-me de ver um, anos depois, em Aveiro, na avenida Louenço Peixinho. Angola, andava anos à frente!
Pelo Grafanil, o BCAV. 8423 contava os dias para o regresso a Lisboa, marcado para 8 de Setembro, no navio «Niassa». Ao tempo, num ambiente de desorganizaão e instabilidades visíveis, o batalhão fazia serviços internos e cumpria «missões como unidade de reserva da RMA».

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Jumbo de Luanda na Estrada de Catete


Os hoje vulgaríssimos super(hiper)mercados (ou grandes superfícies) que enxameiam o país, como «catedrais de consumo», já existiam em Luanda em 1975. A foto mostra o Jumbo, na estrada de Catete - onde, com o Neto, fui «conhecer» como era, num dia de Agosto desse ano! Impressionei-me!
A ideia, se me lembro bem, era «importada» do Brasil (do Grupo Pão de Açúcar) e, como se vê pelo estacionamento e vultos de pessoas, era bem afreguesado. Muito afreguesado!!! Por perto, ficava a 7ª. Esquadra da PSP e o Bairro Popular 3. Mais à frente, o Campo Militar do Grafanil e Viana!
Coisa que me impressionou, foi a imensidão de artigos expostos para venda: milhares e milhares! Até um stand de automóveis! Era um mundo completamente novo para mim e para quem o visitava. Imenso e deslumbrante. Lembro-me de por lá ficar parado, a ver as pessoas a sair com os carros das compras cheiinhos!...  Até pode parecer saloio dizer isto, mas falamos de há 36 anos. No Portugal europeu, ainda não se falava em superfícies comerciais desta dimensão! Lá comprei umas calças castanhas, calças quase à bica de sino e que foram arranjadas pela senhora da loja, pois não apreciava tanta largura na baínha. Foi também por ali que, a 30 de Agosto, fui «perseguido» por um grupo de Pioneiros, crianças/adolescentes armados que formavam o chamado Poder Popular. Foram momentos aflitivos. Ali por perto, uma (ex)sede da FNLA estava parcialmente destruída, depois dos incidentes militares do mês de Julho.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A alma gémea e os 3 ranger´s de Viana...

Correios de Viana (Angola), em foto de 2005



A estação dos Correios de Viana, muito perto da casa onde morámos (eu, o Neto e o Monteiro) no mês de Agosto e até 7 de Setembro de 1975, foi espaço de larga frequência do trio, atraído por beleza angolana que por ali parava. Telefonar para Portugal foi a razão de uma primeira visita. Depois, eram os selos, depois mandar as cartas, depois... era querer mesmo ir lá! Era meter paleio!
A idade e os sonhos dela (da idade), tudo faziam «adivinhar»! E, depois, era o cheiro de Angola, a sensualidade que se respirava, a atracção que se metia pelos olhos dentro. Eram lindos aqueles tempos!!! E paradoxais: por um lado, a guerra. A guerra mortal e sanguinária, que espalhava e multiplicava lutos! Por outro, o romantismo de quem sonhava noites de luar, de amor e de cio, no calor angolano!
A coisa esteve enrabichada e chegou a meter visitas e jantares na casa de família: família de gente da nobreza local, endinheirada e aburguesada! E gerou alguma ciumeira entre o trio, cada qual se querendo fazer mais cúmplice da mulher que não era de cor de ébano nem europeia, mas enchia os olhos e a alma de desejos.
Não me lembro do nome, do nome dela - que era tratada por diminutivo.. -, mas tinha olhos grandes e curvas de volúpia,  era gentil e apetitosa, de voz doce e meiga, mais velha umas pouquinhas primaveras mas com a jovialidade a saltar-lhe do corpo, as medidas a fugirem-lhe da roupa curta que nos tapava tentações!
Julgo que morará por Coimbra e tem agora mais de 60 anos! Ler-nos-á a «alma gémea» de Viana? E lembrar-se-á dos três furriéis ranger´s de Viana?

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Os dias das Viana´s, aos 10 de Agosto....

Carlos Sucena e Gilberto Marques (amigos aguedenses) e furriéis Viegas e Neto, em Viana de Angola (a 10 de Agosto de 1975)

A 10 de Agosto de 1975, na casa angolana de Manuel Cruz, em  Viana, «emprestada» por Gilberto Marques, juntaram-se quatro amigos de Águeda: para uma mariscada. As dificuldades de alimentação eram evidentes (como por aqui já dissemos) e nada melhor que a solidariedade e a mão dada de quem por lá bem conhecia os caminhos e ementas: o Gilberto.
O dia era domingueiro e tinha sido passado a laurear o queijo pelas praias da ilha de Luanda, com o Albano Resende, com almoço mesmo assim refastelado no Amazonas, visitas apressadas a alguns conterrâneos civis -  os outros Resendes, o Zé Martinho (na PSP, estava de serviço), a Cândida, e um momento de reflexão e oração no cemitério de Catete, junto à campa da Zé da Rita - que eu não conheci e deixou viúva Bernardete, ainda hoje minha vizinha e amiga.
Eu não sabia, mas nesse mesmo dia, indo e estando eu na Viana da Angola, estava a ser tio do meu terceiro sobrinho: a Marta. Que nascia em outra Viana. A do Castelo. Soube dias depois, por aerograma da minha irmã Ana Maria - a mãe!
O dia da Viana angolana, melhor... a noite, foi de festa e comezaima na casa de Manuel Cruz, nesse 10 de Agosto de 1975. Noite bem regada de cerveja e com os entusiasmos juvenis de quem, aos 22 anos - e gente como nós!!!!, irreverente, ambiciosa e com sentido de missão cumprida!!! -, esperava o passar dos dias para abandonar a guerra e regressar aos chão das suas terras e aos colos dos seus afectos familiares.
Luanda explodia, por esse tempo: as noites (mesmo os dias) medravam em ambientes pesadíssimos e envolvidos pelos sons de tiroteios dispersos e do deflagrar isolado de granadas e morteiros. Era muito vulgar ouvirem-se rajadas nocturnas e levedava o medo de circular pelas ruas. O estrondo das granadas ou os tiroteios de armas automáticas enlutavam os medos que cresciam e a tropa não era tida em boa conta - acusada, pelo povo europeu, de apoiar o MPLA.
«O que é que isto vai dar?...», era pergunta, repetida e sem resposta, dos civis mais próximos de nós. Muitos deles a decidirem-se já pelo que não imaginariam semanas antes: regressar a Portugal. O êxodo! O êxodo que viríamos a conhecer como movimento dos retornados. 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Saudades de Angola!...

Largo da Mutamba (Luanda, 1974/75), outro espaço de culto da tropa portuguesa


RODOLFO TOMÁS
Texto

Como é bom falar destes nomes todos: Portugália, Mutamba!!! Ai, ai, ai..., não há lenço que chegue. Lembro-me, a propósito, de mais uma aventura da CCS em terras africanas.
Estávamos no Grafanil quando, num belo fim de tarde, apareceu na caserna da rapaziada da CCS do BCAV. 8423 um condutor (?) e disse alto e em bom som:«Malta, quem quiser ir a Viana jantar venha comigo».
Muitos de nós ficamos a pensar: onde será que ele nos leva? Foram apenas alguns, muitos outros ficaram pensativos e com receio, eu fui um deles. No outro dia, tambem alinhei. O transporte era feito por um "belo" autocarro, ao qual já não estávamos habituados, por causa dos bancos e suspensão, mas sem luzes.
Tudo ao molho e fé em Deus.
À entrada de Viana havia umas bombas de gasolina que também tinham um restaurante. Não íamos mais longe, era mesmo ali que matávamos a fome, pois o rancho era quase impossível. Era comida liofilizada, diziam eles. Ou seja, era preciso pôr de molho todos os condimentos para crescerem no tacho.
Ainda se lembram?
RODOLFO TOMÁS

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Os dias de Luanda, em Agosto de 1975!

Largo da Portugália (foto de Henrique Oliveira), local de «culto» da tropa portuguesa


A Luanda dos dias de Agosto de 1975 era de ferro e fogo e sucediam-se os «ataques» entre elementos dos movimentos. Os que tinham, ficado, depois da chamada Batalha de Luanda, a 9 de Julho - «ganha» pelo MPLA, que escorraçara a FNLA e a UNITA da capital.
A violência e insegurança alastravam pela cidade e não era raro os próprios militares portugueses serem alvo de intervenções menos ortodoxas. E começou a faltar comida. Cito o general Gonçalves Ribeiro, no seu livro «Vertigem da Descolonização»:
«A Cruz Vermelha Internacional já, desde fins de Junho de 1975, fazia distribuição de grandes quantidades de alimentos e também vestuário e medicamentos a habitantes dos musseques, a desalojados e a hospitais, socorrendo-se de pessoal voluntário que minha Mulher integrou, acompanhada de Luísa Cardoso, Teresa Almendra e Maria da Piedade Alves Cardoso, até à partida para Lisboa.
A população portuguesa vivendo, como a esmagadora maioria dos angolanos, num meio de insuportável violência e de todos os desmandos que lhe estavam associados, passou também a sentir carências de toda a ordem até ao limite da falta de alimentos. Com o quotidiano devastado, refeições esporádicas e esperanças anuladas, aquela comunidade começou a sentir-se enclausurada, em especial nas terras do interior, e deu início a um movimento sem retorno quer para Luanda, na procura de avião ou barco, quer para fora de Angola».
Estes sentimentos eram manifestados por amigos nossos, civis. E nós próprios, militares, sentimos os perigos da insegurança urbana e a escassez de alimentos. Nesta altura, e já desde Carmona, corria por nossa conta (sargentos e oficiais) a alimentação - ainda que abonada. Não houve restaurante que não corressemos, em Luanda, á procura de almoço ou jantar.
Um dos locais preferidos era a Portugália, restaurante da baixa de Luanda, ao lado do Jornal de Angola. Na zona havia outros locais de «culto» da tropa: o Paris Versailles, Pólo Norte, Amazonas, Baleizão, a Biker, a Mutamba, entre outros.

domingo, 7 de agosto de 2011

Os Cavaleiros do Norte no Grafanil, Viana e Luanda



A epopeica coluna militar do BCAV. 8423 chegou ao Campo Militar do Grafanil no dia 6 de Agosto de 1975 (ver DAQUI a AQUI), fez ontem 36 anos. Tinha saído na madrugada do dia 4, uma 2ª. feira, e esta chegada foi emotiva para todos.
A CCS, mais afortunada quanto ao meio de transporte (de avião, no dia 3, domingo), tinha preparado as instalações para os valentes e generosos companheiros da 2ª. e da 3ª. CCAV´s (e alguns militares da CCS). Instalações no Grafanil, achadas em mau estado: sujas, dessanitarizadas, imundas. E bem mereciam eles que estivesse limpas, para o justificado descanso. Assim fizemos.
Eu, o Monteiro e o Neto, por influência deste, tínhamos a sorte de estar instalados numa vivenda particular, em Viana, cidade da poucos quilómetros. Magnificamente instalados. A casa era do aguedenses Manuel Cruz - que por lá tinha uma fábrica de ferragens (assim como o pai do Neto). Também dispunhamos de transporte, um automóvel da FRAL Angola (a empresa do pai do Neto), e, por isso, a nossa mobilidade era segura, a toda a hora.
Tínhamos de cumprir as nossas tarefas militares, é verdade..., mas o resto do tempo era para a boa-vai-ela, por Luanda adentro, dia e noite... - não se nos pegando quaisquer medos pelo sangue que todos os dias se vertia na cidade - onde se degladiavam ódios inter-movimentos e se matava gente a troco de meras raivas pessoais.
A capital, depois de várias semanas de combates com a FNLA, era controlada por forças do MPLA, já desde 15 de Julho. A 22, fôra decretado um novo cessar fogo  que, creio bem, era pouco respeitado. Por essa altura, intensificava-se a ponte aérea que, a partir de Angola e de outras ex-colónias, fez afluir a Portugal milhares e milhares de retornados.  Muito mais intensa seria depois da nossa viagem para Luanda, a 8 de Setembro de 1975.

Angola, de norte a sul, era ferro e fogo. Em verdadeira guerra civil!